SL - 37 UNIVERSIDADE E MOVIMENTOS SOCIAIS DE MORADIA: PENSANDO FORMAS DIVERSAS DE INTERAÇÃO

  • Luciana Corrêa do Lago
  • Luciana Corrêa do Lago
  • Luciana da Silva Andrade
  • Ricardo Gouvêa
  • Irene de Queiroz e Mello
Palavras-chave: movimentos sociais, autogestão habitacional, formação universitária

Resumo

Dentre as políticas redistributivas que começaram a ser propagadas no país a partir da última década, estão os programas federais de financiamento para empreendimentos habitacionais autogeridos por organizações comunitárias, muitas delas vinculadas a movimentos sociais de moradia com atuação em escala nacional. O resultado tem sido a significativa expansão da produção autogestionária no Brasil, especialmente através de cooperativas, somando cerca de 40 mil unidades habitacionais contratadas pela Caixa Econômica Federal no período 2004 - 2012. Os avanços qualitativos e quantitativos dessa forma de produção do ambiente construído urbano vêm sendo evidenciados em pesquisas acadêmicas recentes, porém, tais avanços apresentam forte concentração em alguns estados, como São Paulo, Rio Grande do Sul e Goiás e ainda diferenças significativas entre os estados, no que se refere aos processos de elaboração e produção dos empreendimentos e a própria qualidade da habitação produzida coletivamente. Essas diferenças podem ser explicadas por três fatores principais: (i) as formas de organização e a capacidade de mobilização das associações comunitárias e dos movimentos sociais envolvidos, (ii) a presença e o perfil das assessorias técnicas e (iii) a atuação das instâncias governamentais locais, estaduais e federais envolvidas com os programas para autogestão.
O objetivo da Sessão Livre é provocar o debate sobre os possíveis papéis a serem desempenhados pelas universidades no campo reflexivo e prático da autogestão urbana, no sentido de potencializarem as ações dos diferentes agentes que interagem nesse campo, a saber, organizações comunitárias, assessorias técnicas em arquitetura, direito, serviço social, contabilidade, gestão pública e engenharia e profissionais dos órgãos públicos atuando na política urbana-habitacional. A justificativa para essa proposta se sustenta em duas evidências apontadas pela pesquisa em curso sobre a produção habitacional por autogestão coletiva no Brasil, no âmbito do Observatório das Metrópoles/IPPUR/UFRJ.
A primeira evidência se refere à necessidade de qualificações profissionais multidisciplinares que possam responder às exigências postas pelos programas de financiamento voltados diretamente para associações comunitárias. Assessorar projetos dessa natureza é uma experiência de trabalho multidisciplinar, na qual é necessário dialogar e trabalhar em conjunto com pessoas de outras áreas, bem como de outros níveis sociais, já que o serviço é prestado para famílias de baixa renda. Essas qualificações exigem novas aprendizagens teóricas e pedagógicas entre intelectuais, organizações sociais populares e gestores públicos. Gestores da Caixa apontaram na pesquisa realizada, a urgência em se ampliar e qualificar técnicos, sejam lideranças ou profissionais graduados, para atuarem em projetos autogestionários. A esse respeito, foi destacada a necessidade de se incentivar jovens universitários a trabalharem nesse campo de atuação.
A questão que se coloca é a ausência dessa temática nos currículos regulares e nos cursos de especialização e extensão universitários. Esse é o caso da formação em arquitetura e urbanismo, que será discutida na sessão, onde há pouca repercussão das experiências de autogestão na produção da moradia no ensino de projeto. A ênfase na produção autoral estimula o estudante na reprodução de uma prática que ratifica uma suposta superioridade técnica. Há ainda uma subordinação cultural à produção de países que enfrentaram a questão habitacional com mais eficiência. Se o fosso econômico e educacional existente entre a população pobre brasileira e os técnicos já dificulta a construção do diálogo, a idealização do espaço habitacional por arquitetos-urbanistas impõe uma barreira que tende a travar a perspectiva de comunicação na realização de projetos autogeridos. Além disso, a abordagem multidisciplinar, essencial na compreensão e formulação de projetos orientados por uma outra racionalidade que não a capitalista, ainda é um desafio nos cursos universitários.
A segunda evidência diz respeito ao saber acumulado pelos movimentos sociais urbanos ao longo da luta (material e simbólica) pela “moradia digna”, trazendo para o debate público novos conteúdos para essa noção. Em São Paulo, onde os mutirões organizados por movimentos assessorados por profissionais já somam trinta anos, a luta pela moradia contém hoje uma extensa lista de necessidades entendidas como “básicas”: rede de infraestrutura, linhas de ônibus, creche, escola, posto de saúde, parque, equipamentos de esporte e lazer, agência bancária, comércio diversificado, beleza do imóvel, qualidade da construção e do projeto de arquitetura e tamanho do imóvel adequado ao tamanho da família. O resultado prático dessa formulação é a expansão de experiências habitacionais autogeridas coletivamente no Brasil, financiadas com recursos públicos, que se estendem por práticas educativas, culturais e de trabalho produtivo. Em síntese, a noção de moradia passa a conter a cidade. Isso porque as discussões e decisões coletivas em todas as etapas da empreitada ampliam o campo de alternativas em diversas dimensões da vida urbana.
Portanto, a introdução da temática da autogestão nos currículos acadêmicos implicará na revisão crítica dos parâmetros de bem-estar urbano e de habitação popular instituídos e moralmente aceitos nas sociedades capitalistas, parâmetros esses produto de uma racionalidade produtiva orientada pelo mercado. Nesse sentido, a sessão tem a intenção de fomentar o debate sobre questões resultantes da formação idealizada do espaço do habitar, como o desconhecimento da realidade das práticas socioespaciais dos moradores e a consequente imposição de regras funcionais e modelos estéticos.
Os quatro trabalhos reunidos na sessão são complementares e, com base em experiências práticas em curso no Brasil e em outros países latino-americanos, buscarão apresentar propostas de interação entre as universidades e os demais agentes envolvidos nos projetos autogestionários. O primeiro trabalho discutirá uma proposta de inserção da temática da autogestão urbana nos currículos acadêmicos com base numa experiência de disciplina prática sobre Autogestão urbana no curso de graduação em Gestão Pública. O segundo trabalho propõe avaliar em que medida a formação universitária prepara o futuro arquiteto-urbanista para trabalhar como assessor técnico de movimentos sociais na luta pela moradia. O terceiro trabalho abordará de forma crítica a formação universitária no Brasil, a partir da experiência de uma organização não governamental, a Fundação Bento Rubião, voltada para a assistência técnica de projetos habitacionais autogeridos nas áreas jurídica, social e de arquitetura. Por fim, o quarto trabalho apresentará uma experiência de interação universidade – movimentos sociais na Argentina, desenvolvida no Instituto del Conurbano, da Universidad Nacional General Sarmiento, que tem como proposta a formação do pensamento crítico atrelada à prática dos movimentos sociais. 

Publicado
2018-10-17
Seção
Sessão Livre