SL - 35 A METRÓPOLE BRASILEIRA NA TRANSIÇÃO URBANA

  • Luiz César de Queiroz Ribeiro
  • Rosseta Mammarella
  • Marcelo Gomes Ribeiro
  • Nelson Rojas
  • Maria do Livramento Clementino
  • Érica Tavares da Silva
  • Rosa Moura
  • Juciano Rodrigues
Palavras-chave: Metrópole, Transição Urbana, Globalização

Resumo

O destino das metrópoles está no centro dos dilemas das sociedades contemporâneas. As transformações tecnológicas, sociais e econômicas em curso desde a segunda metade dos anos 1970, em especial as decorrentes da globalização e da re-estruturação socioprodutiva, aprofundaram a dissociação engendrada pelo capitalismo industrial entre progresso material e urbanização, economia e território, Nação e Estado. Segundo previsões de organismos internacionais, em 2015 teremos 33 aglomerados urbanos do porte de megalópoles, entre as quais 27 estarão localizadas em países em desenvolvimento, sendo que apenas Tóquio será a grande cidade do mundo rico. Por outro lado, enquanto boa parte das metrópoles do hemisfério sul continuará a conhecer taxas explosivas de crescimento demográfico, dissociadas do necessário progresso material, aquelas que concentram as funções de direção, comando e coordenação dos fluxos econômicos mundiais encolherão relativamente de tamanho. Teremos então duas condições urbanas: a gerada pela vertiginosa concentração populacional em grandes cidades nos países que estão conhecendo o processo de des-ruralização induzido pela incorporação do campo à expansão das fronteiras mundiais do espaço de circulação do capital, e a condição urbana decorrente da concentração do capital, do poder e dos recursos de bem-estar social.
Ao mesmo tempo, apesar do aumento das assimetrias, as metrópoles aumentaram seu papel indutor do desenvolvimento econômico nacional, como já mostraram trabalhos clássicos como de J. Jacobs (1969) e pesquisas sobre a relação entre globalização e as metrópoles (VELTZ, 1996; 2002). Para que as metrópoles, porém, sejam mais do que mera plataforma de atração de capitais, mas, ao contrário, constituam-se em territórios capazes de re-territorializar a economia, e de impedir o aprofundamento da disjunção entre Estado e Nação é necessário que contenham os elementos requeridos pela nova economia de aglomeração da fase pós-fordista, entre os quais se destacam os relacionados aos meios sociais germinadores da inovação, confiança e da coesão social. A redução dos custos da distância e das vantagens pecuniárias - produto da revolução dos meios de transportes e comunicação e dos novos sistema de gestão empresariais - contam hoje menos do que os efeitos de aglomeração decorrentes da densificação das relações sociais, intelectuais e culturais. Estudos mostram que as metrópoles onde prevalecem menores índices de dualização e de polarização do tecido social são as que têm levado vantagens na competição pela atração dos fluxos econômicos, ou seja, as que recusaram a lógica da competição buscando oferecer apenas governos locais empreendedores e as virtudes da mercantilização da cidade.
O nosso sistema urbano, apesar dos desequilíbrios, constitui-se em importante ativo para o desenvolvimento nacional. Esses GEUBs considerados metropolitanos têm enorme importância na concentração das forças produtivas nacionais. Elas centralizam 62% da capacidade tecnológica do país, medida pelo número de patentes, artigos científicos, população com mais de 12 anos de estudos e o valor bruto da transformação industrial (VTI) e de empresas que inovam em produto e processo. Ao mesmo tempo, nestas 15 metrópoles estão concentrados 55% do valor da transformação industrial de empresas que exportam. Temos, portanto, um sistema urbano que pode ser considerado como importante ativo para um projeto de desenvolvimento nacional, frente às novas tendências de transformação do capitalismo. Mas, ao mesmo tempo nelas também estão concentrados os grandes desafios a serem enfrentados, na forma de passivos resultantes de modelo de urbanização organizado essencialmente pela combinação entre as forças de mercado e um Estado historicamente permissivo com todas as formas de apropriação privatista da cidade. Não se trata apenas de constatar e procurar entender a ausência do planejamento governamental no acelerado e intenso processo de urbanização, que transferiu para as cidades 8 milhões de pessoas na década de 1950, 14 milhões na de 1960 e 17 milhões na de1970. A omissão planejadora do Estado decorreu da utilização da cidade como uma espécie de fronteira amortizadora dos conflitos sociais inerentes ao capitalismo concentrador e excludente que aqui se implantou. Por este motivo, as metrópoles estão hoje despreparadas material, social e institucionalmente para o crescimento econômico baseado na dinâmica da inovação, da economia do conhecimento e da eficiência, que mobiliza não apenas a lógica do mercado, mas os efeitos positivos da coesão social. Nelas está conformado um conjunto de passivos, cujo enfrentamento é imperativo para que a força produtiva representada pela complexidade da nossa rede urbana possa alavancar o desenvolvimento nacional. Examinaremos duas dimensões destes passivos. Tomemos, em primeiro lugar, as conseqüências desta “política urbana perversa” sobre a mobilidade espacial. Inexistem sistemas públicos e coletivos de transportes urbanos nas metrópoles capazes de estruturar o uso e a ocupação do espaço e, ao mesmo tempo, de se contrapor à submissão ao transporte individual e privado, hoje gerador de enormes deseconomias urbanas. Os últimos números sobre São Paulo são impressionantes: no dia 3 de abril de 2008 o índice de congestionamento atingiu a marca 229 quilômetros. Mas, como se era de esperar as conseqüências desta irracionalidade não atingem igualmente a todos.
A pressão pela ocupação das áreas centrais resulta da combinação das transformações do mercado de trabalho ocorridas nos anos 1980 e 1990. Suas principais categorias são o crescimento da ocupação precária, informal, transitória, especialmente no setor de serviços em geral e, em especial, nos serviços pessoais e domésticos, ao lado da reconhecida crise da mobilidade urbana e do colapso das formas de provisão de moradia. Como a riqueza continua concentrada nos municípios pólos, pode-se concluir que uma das principais características da dinâmica socioterritorial nas metrópoles é o conflito pela centralidade na ocupação e uso do solo urbano. A duas outras expressões deste conflito são, de um lado, a imobilidade de parte da população trabalhadora e, de outro, a reprodução da precariedade do habitat urbano. Nos últimos nove anos, com efeito, nas principais metrópoles, nada menos de 26% dos brasileiros que hoje vegetam com renda familiar abaixo de R$ 500 trocaram o ônibus pelo par de tênis. Outros 13%, pela bicicleta.. Os trabalhadores que conseguem se infiltrar na centralidade metropolitana, trocam a imobilidade pela precariedade habitacional.
As favelas são a sua mais evidente expressão. Nas 15 metrópoles, quase ¾ dessas moradias distribuem-se por um raio de até 10 km, concentrando-se nos pólos. As características da precariedade habitacional são a ilegalidade, irregularidade, construção em solos pouco propícios à função residencial, o adensamento da ocupação da moradia e, em muitos casos, o emprego de parcelas consideráveis da renda familiar no aluguel. Estas características não estão homogeneamente presentes em todas as metrópoles, pois são altamente influenciadas pela história das formas de produção da moradia popular e do regime urbano prevalecente em cada metrópole. As favelas em São Paulo, por exemplo, apresentam maior precariedade quanto ao tipo de terreno ocupado e o maior afastamento das áreas mais centrais. Maricato (1996) estima que 49,3% das favelas da cidade de São Paulo estão localizadas em beira de córrego, 32,2% em terrenos sujeitos a enchentes, 29,3% foram construídas em terrenos com declividade acentuada e 24,2% em terrenos sujeitos à erosão. Embora em áreas que permitem a acessibilidade, as favelas de São Paulo evidenciam o seu distanciamento em relação ao núcleo social e econômico da metrópole. Em compensação, os cortiços parecem constituir estratégia de proximidade, em razão da sua localização nas áreas mais centrais. Já na região metropolitana do Rio de Janeiro o regime urbano permite acomodação dos conflitos potenciais decorrentes dos efeitos da segmentação sócio-territorial. Isto é conseguido através da configuração de um modelo onde as favelas localizam-se na proximidade dos bairros que concentram as moradias dos segmentos superiores da estrutura social conforme descrito por Ribeiro e Lago (2001).
O segundo aspecto decorre das conexões entre as tendências de segregação residencial e os mecanismos de reprodução das desigualdades sociais. A utilização da cidade como fronteira amortizadora dos conflitos implicou na instituição de um regime dual de bem-estar, combinando a variante “famílisticomercantil” (ESPING-ANDERSON, 1995), com um seletivo Estado de Bem-Estar Social. De fato, a cidade como fronteira implicou na transferência para as famílias (e para as comunidades) as principais funções da reprodução social. Um dos pilares fundamentais deste regime foi a mencionada prática da perversa política urbana de tolerância total com todas as formas e condições de ocupação da cidade, tanto pelo trabalho quanto pelo capital.. A fisionomia, a vida social, a organização social do território, enfim todos os aspectos da nossa realidade urbana vão expressar as várias facetas deste regime de reprodução social.
Em resumo, as metrópoles que apresentam expressivos traços das forças produtivas requeridas pelo novo modelo de desenvolvimento, geram, simultaneamente, condições de vida e estruturas sociais bastante desfavoráveis para a coesão social. 

Publicado
2018-10-17
Seção
Sessão Livre