SL - 31 PROCESSOS EXTREMOS NA CONSTITUIÇÃO DA CIDADE: DA CRISE À EMERGÊNCIA

  • Manoel Antônio Lopes Rodrigues Alves
  • Carmen Guerra de Hoyos
  • Júlio Arroyo
  • Marluci Menezes
  • Thais Rosa
Palavras-chave: cidade contemporânea, novas urbanidades, produção do espaço urbano

Resumo

Esta proposta de Sessão Livre decorre de questões atualmente em desenvolvimento no projeto Urbanização e mundialização: novos processos de produção do espaço urbano, recentemente aprovado pela Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade de São Paulo. Esse projeto insere-se no NAPURb – Núcleo de Pesquisa em Urbanização e Mundialização, núcleo de apoio à pesquisa que congrega pesquisadores de diferentes nacionalidades e de diferentes unidades das universidades estaduais paulistas.
Essa proposta pretende apresentar dimensões dessa pesquisa bem como publicizar alguns de seus pressupostos e resultados iniciais. Dessa perspectiva, a proposta desta sessão livre justifica-se pela investigação de processos de conformação da cidade contemporânea que potencializem o cruzamento de saberes disciplinares relacionados à compreensão do fenômeno urbano, reexaminando os processos de conformação e configuração da cidade, a fim de possibilitar a apreensão de novas morfologias sócio-espaciais e suas relações com os novos conteúdos de processos de urbanização.
A cidade da contemporaneidade, de processos de urbanização que conduzem a dissolução do urbano, responde a parâmetros próprios de uma época de transição em que, embora a relação de experiência e/ou pertencimento ao espaço urbano persista em meio a um conjunto de transformações nas dimensões técnicas e tecnológicas, nos aspectos sociais e ambientais de produção do espaço, observa-se o empobrecimento dos sistemas simbólicos, a retração das formas de vida coletiva, a instrumentalização dos espaços de ação ou a redução do valor do público.
A cidade do presente, imantada por novas formas de linguagem e possibilidades de representação do espaço, pela influência da lógica neoliberal, passa a compor um novo imaginário urbano, uma nova imagem da cidade. Nela, cidade, fenômenos tão díspares como a ampliação dos meios massivos de comunicação ou a generalização das formas de consumo programado provocam um declínio significativo do sentido de primazia do espaço urbano.
No cenário da vida urbana contemporânea, de uma cidade que emerge constituída por textualidades e morfologias inéditas, que operam em um contexto sócio-cultural diferenciado, conformando micro-geografias de um cotidiano denso e de novas formas de apropriação, novas conformações de fenômenos sócio-espaciais promovem, no uso e apropriação do espaço, espacialidades e territorialidades distintas. Na cidade do presente fronteiras são borradas, novas tangências ganham um novo lugar. Um conjunto de práticas transborda para além de seus campos e limites se combinando em novos padrões, em novos híbridos difíceis de discernir - processos híbridos enquanto questão a ser pensada não apenas do ponto de vista de sua produção, mas do ponto de vista de sua recepção e contínua elaboração.
Nesse contexto, o fenômeno urbano, intensificado e ampliado na contemporaneidade, suscita um singular espaço de complexas relações sociais que se caracterizam por uma complexa rede de relações composta de usos, pactos, imposições, retificações e adequações mútuas. Para Delgado, a anti-cidade do presente desemboca na dissolução do urbano, na urbanização interpretada como submissão sem condições aos imperativos de distintas ideologias urbanísticas.
Nesse cenário de dissolução, de experiências atuais, via de regra superficiais e instáveis, os territórios das representações replicam-se acidentais, contaminados, contingenciais, híbridos, mestiços, relativos, sincréticos; os deslocamentos de posicionamentos econômicos, identitários, sócio-culturais e políticos promovem um fluxo recorrente de instabilidades. Por outro lado, a incorporação cultural e a prática de novas urbanidades requalifica o espaço urbano e o torna centro de disputas, tanto para a consolidação de novas identidades quanto para a reivindicação da visibilidade pública das diferenças (do reconhecimento político do diferente).
Nesse contexto, as táticas e as estratégias que se detectam, via de regra, podem ser entendidas como respostas ao fluxo dos mercados globais e suas atuações concretas no momento socioeconômico de cada localização geográfica. Nesse contexto, interpretações e abordagens distintas são necessárias para abarcar o entendimento de novas paisagens e configurações do espaço urbano que, enquanto desdobramentos de novas lógicas e dinâmicas de conformação da cidade, constituem-se com base em elementos representativos de uma dinâmica de (re)produção do espaço urbano de um momento de crise - crises ou emergências são, a nosso ver, conjunturas que nos servirão para colocar à prova a relação da sociedade e da cultura com o espaço urbano contemporâneo.
A crise global tem apontado para a responsabilidade da arquitetura – e outros campos disciplinares afins - com a produção e constituição da cidade como a sociologia, geografia e antropologia – introduzindo uma dura crítica: os extremos cometidos. Benefícios encobertos como a especulação do território, benefícios dispensados pelo comum acordo de um sistema financeiro pervertido pelo que é construir, ainda mais, pelo sinônimo de economizar ou gerar plusvalías com garantias maiores do que as monetárias no mercado de valores.
Nesse contexto, o que se nos apresenta como mais oportuno para estes tempos é radicalizar o olhar, extremar as ações. Tanto pela urgência de muitas das formas de acordo, como pela necessidade de uma mudança global de mentalidade, há que se considerar a não observância das regras do jogo, os processos in extremis, - processos esses que nos aportam a necessidade de despertarmos da paralisia perante as inércias induzidas por agentes internos e externos a arquitetura. É necessário comparar esses processos com os que, neste momento, ad marginem, constituem a cidade.
A investigação de processos espaciais e sócio-espaciais, não necessariamente denomináveis enquanto arquitetônicos, deve ser capaz de permitir a compreensão dos giros que a crise está gerando, mas não para fazer uso da definição do estatuto da arquitetura e do urbanismo que temos manejado durante décadas, mas sim para buscar uma nova convenção que nos permita ressituar essa definição e assumir novas variáveis que possamos transmitir às próximas gerações de pesquisadores que trabalharão com o ‘fazer cidade’ em anos futuros. Se a crise social dos 60 impulsionou a arquitetura a comportar-se como sociologia, se as chaves tecnológicas condicionam um giro para a programação frente a projetação convencional, se a geografia humana aporta questões aos processos de produção da cidade, se as ciências da vida comparecem na cena arquitetônica de forma mais forte do que um mero formalismo ou uma aplicabilidade material, neste momento devemos indagar o que é necessário para afrontar (fazer frente), dar resposta a apatia imaginativa de quem se acostumou muito rapidamente a pensar apenas que o capital, o dinheiro é capaz de respaldar a resposta.
A crise não deve ser percebida apenas como econômica, mas também institucional, de organização geral, que não se vence apenas com a mudança do governante, mas sim que agora, mais do que em qualquer outro momento da constituição da Modernidade, devemos impulsionar-nos pelo próprio sentido de catarsis a que a crise nos obriga.
Entendendo que o ambiente urbano resulta de formas singulares da relação entre o homem e seu espaço físico, espaços de representação das relações humanas, traços caóticos de confluência de pluralidades que percorrem a multiplicidade de culturas e modos de vida, que regem e participam dos acontecimentos, os distintos textos dessa sessão exploram relações e tangências de espacialidades e processos urbanos em seus novos contextos, interrogando dimensões da produção e reprodução do espaço urbano contemporâneo nesse momento de crise. No momento em que as cidades se convertem em chave do intercâmbio de bens (pessoas/informações), entendendo a realização da vida como condição e produto do estabelecimento de relações reais, em que se observa uma sociedade que deseja “tudo” a todo o momento, como enfrentar processos de urbanização do simulacro e da liquidez na construção social de formas urbanas?
A partir dessa proposição, a sessão livre se propõe a apontar alguns dos pontos de inflexão em práticas e ideias que fundamentam, produzem e reproduzem a cidade contemporânea e as concepções relativas à compreensão de seus processos de produção, numa articulação teoria/realidade urbana e localização/mundialização, rediscutindo os marcos de compreensão e de práticas espaciais e de intervenção, através de uma compreensão crítica sobre essas mesmas práticas e intervenções.
Nesse enquadramento, tendo como justificativa a investigação da cidade contemporânea, seus processos de conformação e transformações espaciais, suas espacialidades, novas formas de sociabilidade e expressão cultural de seu meio ambiente urbano, essa sessão tem como objetivo identificar e, preliminarmente avaliar, distintos processos que se caracterizam como pontas de lança da constituição de cidade, distinto de ser produção de cidade; verificar, do ponto de vista teórico e empírico, como se manifestam as tensões entre espaços, espacialidades e territorialidades urbanas, na e da cidade contemporânea; potencializar a construção de uma análise transdisciplinar mais profunda do fenômeno urbano contemporâneo em suas distintas escalas, níveis e dimensões, de modo a superar análises instaladas no plano fenomênico em direção aos fundamentos e processos que constituem e dão sentido ao espaço urbano no movimento indicado pelo processo de mundialização; e apoiar e estimular a transferência dos resultados dessas reflexões e ampliar os seus canais de recepção, possibilitando a extensão do debate a um âmbito de investigadores mais amplo. Pretende-se a comparação entre situações que reconhecemos como distintas: a emergência e renovação do espaço urbano brasileiro e sul-americano e a densificação e contração do espaço urbano europeu – sem dúvida não entendemos essas diferenças como pertencentes a processos contrapostos, mas sim como materializações diversas de uma mesma dinâmica mundial de conformação do espaço. 

Publicado
2018-10-17
Seção
Sessão Livre