SL - 27 DAS APPS URBANAS À DIMENSÃO AMBIENTAL DA CIDADE: UM PERCURSO

  • Ana Cláudia Duarte Cardoso
  • Maria Dulce Picanço Bentes Sobrinha
  • Liza Maria Souza de Andrade
  • Luciana Nicolau Ferrara
  • Marília Steinberger
Palavras-chave: conflitos sócio-ambientais, interface urbano-ambiental, APP Urbana

Resumo

A emergência da questão ambiental foi claramente identificada nos eventos da ANPUR a partir de 1999, e desde então há sessões temáticas que contemplam de algum modo esses campo.
A presente sessão vincula-se a um debate iniciado em 2007, com a realização, sob os auspícios da ANPUR do primeiro Seminário Nacional sobre o Tratamento de Áreas de Preservação Permanente em Meio Urbano e Restrições Ambientais ao Parcelamento do Solo, segundo uma linha de investigação de formas de abordagem, regulação e gestão urbanística e ambiental das áreas de preservação permanente urbanas (APPs Urbanas), e que contribuiu para a construção de uma linguagem comum para profissionais de especialidades distintas (ex: urbanistas, sanitaristas, ambientalistas, operadores do direito, administradores).
A segunda edição do seminário foi realizada em 2012, agregou ao tema um olhar sobre as abordagens, conflitos e perspectivas nas cidades brasileiras e revelou que, se não houve avanço teórico, houve avanço na convergência dos campos ambiental e urbanístico, a partir da forte contribuição dos estudos de caso.
Se a diversidade de temas relacionados à interface urbano ambiental expressa a riqueza dessa área de investigação, fatos como a instalação de uma crise ambiental global, o debate sobre mudanças climáticas e sobre os impactos sistêmicos do desmatamento, reclamam a articulação das escalas regional e local, e a constatação de que os processos intra urbanos devam ser vistos como parte de um todo maior.
Sob outra perspectiva, a desigualdade observada nas cidades brasileiras e latino americanas explicita claramente a associação entre aspectos sócio-econômicos e ambientais, na medida em que populações excluídas da cidade formal, ocupam áreas protegidas e ambientalmente frágeis, em construções precárias, potencializando vulnerabilidades (ex: à contaminação, ao fogo, ao desabamento), e requerem, além da visão multiescalar, a visão multidisciplinar (ex: econômica, política, social, ambiental, tecnológica) para uma melhor compreensão dessa interface urbano ambiental. A clareza da contribuição de cada disciplina, e o reconhecimento da especificidade das manifestações da dimensão ambiental em sua atuação, são requisitos para que seja possível a efetivação de abordagens que contemplem melhor aderência à complexidade da realidade vivida no território, particularmente nas cidades.
Essa linha de raciocínio recoloca a idéia de planejamento como chave para a intervenção no território, assim como o modo como esse planejamento é praticado (atores, interesses, abrangência) e principalmente a que modelo de desenvolvimento possa estar vinculado, visto que sem ação propositiva não há possibilidade de tratamento adequado da questão ambiental no ambiente urbano. Observa-se que, apesar do forte apelo dos conflitos sócio-ambientais, o planejamento permanece como ferramenta de ação de quem detém o poder econômico e político, e que muitas vezes agrava conflitos, mais do que os equaciona. A vinculação a um modelo de desenvolvimento polarizado, que valoriza a concentração em detrimento da redistribuição, a exportação em detrimento do abastecimento do mercado interno, o agronegócio em detrimento da pequena produção de alimentos, também se manifesta na fragmentação e diversidade tipológica observada no meio urbano, que hoje expõem claramente prioridades e circunstâncias de poder e exclusão. Detalhamentos sobre meio ambiente e tipologias de uso e ocupação do solo não chegaram a ser incluídos nas agendas de lutas sociais pela reforma urbana, embora hoje possam ser claramente associados a condições de violência, risco físico e social, em momentos de desastre ambiental. A falta de uma visão articulada dos processos impediu a compreensão da magnitude dos conflitos entre o desenvolvimento urbano que expressa um desenvolvimento capitalista concentrador, e a natureza, e por ocasião dos desastres ambientais com vítimas, a sociedade raramente recupera a interface urbano ambiental como ponto de partida da discussão.
Ao longo dessa trajetória, o setor imobiliário foi completamente absorvido pelas estratégias de reprodução do capital nas cidades brasileiras, graças às inovações dos marcos legais de financeirização e securitização de imóveis, e como efeito colateral, a informalidade e os conflitos entre habitação e meio ambiente estão em franca expansão.
A produção de loteamentos precários e processos de verticalização em áreas formais (consolidadas e valorizadas) e informais (favelas) são observados tanto nos contextos metropolitanos quanto em cidades pequenas sob dinamismo econômico.
Fora dos espaços metropolitanos, onde há maior fragilidade de gestão urbanística, as ações de apropriação da natureza (destruição de matas ciliares, desmonte de morros, supressão de rios) são observadas no âmbito de ações “planejadas”, e operadas segundo a racionalidade do setor imobiliário. Nos espaços metropolitanos os processos de negociação da legislação urbanística e ambiental, iniciados com a proposta de enfrentar desigualdades socioambientais, e conquistados após décadas de lutas sociais, foram completamente cooptados pelos interesses de mercado, constituindo um novo padrão de gestão urbanística, que substitui as regras fixas por instrumentos negociais. Esse advento expõe claramente a nova correlação de forças estabelecida nas cidades, neste início de século, e a explicitação do quanto valores políticos, culturais e ideológicos são intrínsecos ao debate ambiental conseqüente em meio urbano.
A extensão territorial do Brasil, a diversidade de biomas, a extensão da urbanização e as desigualdades sócio-ambientais requerem contribuições da área de estudos urbanos e regionais, quanto aos posicionamentos teóricos e generalizações conceituais possíveis, capacidade de articulação de escalas e correta compreensão da inserção das cidades na natureza, quanto a estratégias de uso e ocupação do solo, incluindo discussão de tipologias de parcelamento e edificações, sobre ferramentas de análise e subsídios para formulação de políticas públicas, que esta sessão espera explorar.
Diante do exposto espera-se oferecer nesta sessão um painel de exposições que amplie a reflexão do escopo “áreas urbanas que devem ser protegidas” para o da “dimensão ambiental da cidade”. Dimensão que clama por ser reconhecida, apesar de ser negada pelas práticas de produção do espaço urbano inerentes ao nosso modelo de desenvolvimento. A discussão ampliada da interface cidade natureza pode soar, neste momento, utópica, por suscitar revisão de valores da nossa sociedade que antecedem soluções técnicas, proposição de ferramentas de gestão ou mudanças de legislação, na conciliação de interesses de atores, convergência de olhares disciplinares, ou formulação de políticas públicas. Entretanto, com a seleção de experiências e olhares oriundos de diferentes contextos urbanos e de diferentes regiões do país esperamos apresentar essa agenda e preparar a discussão que será travada na terceira edição do seminário nacional sobre Áreas de Preservação Permanente Urbanas, que será dedicado à discussão da dimensão ambiental da cidade. A realização do seminário em Belém, promoverá a convergência de questões metropolitanas, e de questões urbanas e ambientais de forte apelo no contexto amazônico, mas que temos certeza, em termos teóricos, são de mesma natureza que aqueles observados pelo Brasil afora.  

Publicado
2018-10-17
Seção
Sessão Livre