SL - 25 O ESPAÇO PENAL E O DIREITO À CIDADE COMO POLÍTICA URBANA

  • Suzann Flávia Cordeiro de Lima
  • Maíra Rocha Machado
Palavras-chave: espaço penal, Direito à cidade, Política urbana, Exclusão social

Resumo

As idéias de sociedade, estado e cidade no século XVIII alimentam uma reflexão sobre a arquitetura como uma estratégia na atividade política. O modelo da cidade contempla a delimitação de um lugar territorial privilegiado em um sistema de regulação da conduta geral dos indivíduos, sendo que o estado se solidifica nessa função organizativa das relações sociais e econômicas. Para o bom funcionamento da cidade e do estado uma racionalidade policial se instala na expectativa de criar um sistema de regulação da conduta geral dos indivíduos (Foucault, 2012).
No século XXI, o espaço urbano continua sendo palco de enormes diferenças sociais, em que a segregação social se espacializa nas formas de ocupação do solo urbano, marcando fronteiras (in)visíveis, demarcadas por espaços estigmatizados e supostamente isolados do restante da cidade.
A Constituição Brasileira de 1988 reporta aos municípios legislar sobre seus territórios (uso e ocupação do solo) devendo a propriedade e a cidade atenderem as suas funções sociais. Entretanto, ganha notoriedade a função social da cidade, como política urbana de direito à moradia de interesse social, no Estatuto da Cidade e na MP2220/02. ((DE SOUZA, 2004)
O processo de inscrição dos direitos à cidade, através das Leis orgânicas no âmbito Municipal, apresentou grande esforço na tentativa de uma maior justiça social nas cidades e para a democratização das mesmas, tematizando, principalmente, as figuras da cidade legal versus a cidade clandestina, sob a perspectiva dos direitos e da justiça social. Assim, vários direitos urbanos foram instituídos (direito ao uso socialmente justo e ecologicamente equilibrado do território da cidade, ao acesso de todos os cidadãos às condições adequadas de moradia, transporte público, saneamento básico, infra-estrutura viária, saúde, educação, cultura, esporte e lazer). Não obstante o movimento ocorrido entre a publicação do Estatuto das cidades e a elaboração dos Planos Diretores Municipais, neste interstício de 10 anos, constata-se a necessidade de revisão dos e re-construção de metodologia de Planejamento Urbano, dando conta de aspectos antes não considerados pelas políticas públicas.
O Estatuto da Cidade procurou instrumentalizar os municípios para que estes garantissem o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade em seus planos diretores. No entanto, não estimulou a reflexão sobre as áreas destinadas aos estabelecimentos penais, deixando implícito que os mesmos não fariam parte das cidades, ou que pelo menos os espaços penitenciários estivessem excluídos das outras funções sociais da cidade.
A política criminal e penitenciária, através do Código Penal e da Lei de Execução Penal, tem considerado a questão da pena como meio para ressocializar e punir o condenado - seguindo essa ordem de relevância - que comumente já estariam excluídos da sociedade, antes mesmo do recorte penal. Considerando que a ressocialização implica, necessariamente, na inclusão social, passemos a utilizar este e não aquele.
A inclusão social dos excluídos socialmente pela falta de condições econômicas, pela falta de moradia, pela falta de educação, etc., é institucionalizada pelos espaços penais, expulsando-os da cidade, isolando-o num estabelecimento fechado, do qual a sociedade exige muros altos para que o confinamento seja ainda maior do que se possa ver a olhos nus.
Vale destacar o estabelecimento penal como Polo Gerador de Trafego (PGT), haja vista a implantação de um estabelecimento penal em determinada localidade, atrair fluxos de funcionários - para atendimento dos indivíduos presos -, de familiares - em dias específicos de visita aos presos -, de veículos de transporte coletivo e/ou privados, veículos de carga e descarga de mercadorias ou produtos para a subsistência do estabelecimento, de veículos que levam e trazem os próprios presos, etc., os quais necessitam de vias pavimentadas ou, ao menos, de fácil acesso dos usuários, com pontos de embarque e desembarque de transporte coletivo, com dimensões adequadas à circulação de veículos de pequeno, médio e grande portes.
Além disso, o grande número de pessoas abrigadas pelo estabelecimento produz grande quantidade de lixo, cuja coleta depende dos serviços municipais e, por este motivo, deve ter acesso adequado ao seu recolhimento, sem dificultar os serviços públicos de coleta. Também gera demanda por outros serviços públicos, tais como energia elétrica, água potável, redes de comunicação, saneamento básico, escoamento de águas pluviais, etc., necessários à manutenção e ao funcionamento dos estabelecimentos.
Considerando, portanto, que o estabelecimento deve ser abastecido de serviços básicos públicos, bem como seu poder de atração de fluxos, há que se considerar a necessidade de planejamento urbano para a implantação dos equipamentos de segurança destinados à aplicação da pena de prisão, já que estes serviços públicos são de responsabilidade dos municípios.
A ausência de sintonia entre as políticas públicas municipais e a política pública penitenciária dificulta o processo de ações em prol da diminuição da violência urbana, não havendo consenso quanto à real política a ser adotada, resultando na adoção da não política urbana para os espaços penitenciários como se os mesmos fossem unidades autônomas aos municípios. Sendo assim, o espaço penitenciário continua a espera da definição quanto à sua função social, para pautar a implementação das demais ações de ressocialização que o abriga.
O preso não só tem deveres a cumprir, mas é sujeito de direitos, que devem ser reconhecidos e amparados pelo Estado. O recluso não está fora do direito, pois se encontra numa relação jurídica com o Estado, e exceto os direitos perdidos e limitados a sua condenação (liberdade, no caso dos reclusos), sua condição jurídica é a mesma de pessoas não condenadas, tais como direito á vida, o direito de propriedade, o direito de família, o direito de orientar a educação dos filhos, os direitos sociais e o tratamento reeducativo, que é o direito fundamental, do qual derivam os demais. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, LEI DE EXECUÇÃO PENAL, CÓDIGO PENAL ).
Esta proposta temática, portanto, visa salientar que o espaço penal ou penitenciário mantém-se na ilegalidade urbana, quanto a sua função de inclusão social de cidadãos, margeando-o da cidade, excluído do contexto da função social da própria cidade, embora apresente regras quanto à sua função perante a mesma, do ponto de vista jurídico. Dessa forma, cumpre um papel urbano, mesmo configurado como espaço de banimento, enquanto que a cidade não cumpre o papel inverso. A indiferença quanto ao espaço penal traz, assim, para a cidade, alguns custos extras que poderiam, certamente, ser abduzidos se houvesse a interpretação correta da configuração do espaço penal.
Até o momento o aprisionamento significa um desaparecimento momentâneo do condenado, que será revertido em alguns anos de enclausuramento, nos quais os presos permanecerão longe do que deveria ser o comportamento em sociedade, aprendendo a serem mais violentos nos atuais espaços penitenciários, sem conseguir suprir a família que permaneceu dentro da cidade e que, depois, quando voltarem à cidade, estigmatizados pelo aprisionamento, só lhes restará voltar à criminalidade, avolumando ainda mais a tão conhecida violência urbana.
O equivoco persiste na interpretação dos estabelecimentos penais como espaços de isolamento. São desperdiçadas vidas humanas em idade produtiva, que se tornam parasitárias do poder público por ausência de políticas que visem a mudança de paradigmas. As idiossincrasias no que se refere ao objetivo da pena, à Lei de Execuções Penais, etc., nos remetem ao posicionamento conservador que atualmente se apresenta quanto à questãopenitenciaria. Como seria se os estabelecimentos fossem lucrativos ou, ao menos, auto-sustentáveis? Certamente, seria interesse da sociedade que os estabelecimentos fizessem parte da cidade, pois as empresas poderiam ter seus lucros, o estado não estaria consumindo tanto da sua arrecadação, podendo investir em outras necessidades, os presos estariam perto das suas famílias e aprendendo a “se comportar” dentro da sociedade e o estabelecimento penal conseguiria pagar pela terra que ocupasse dentro da escala de produção e da organização da cidade, como nos fala Ana Amélia da Silva. Obviamente, esta é uma solução simplista para tal situação, mas deveria ser debatida. 

Publicado
2018-10-17
Seção
Sessão Livre