SL - 11 CENÁRIOS DESEJÁVEIS E AS FORMAS DA OCUPAÇÃO URBANA: COMO TRATAR MUDANÇAS CLIMÁTICAS, DESIGUALDADES E VULNERABILIDADES

  • Laura Machado de Mello Bueno
  • Vera Regina Tângari
  • Jonathas Magalhães Pereira da Silva
  • Leo Name
  • Rita de Cássia Martins Montezuma
  • Heloísa Soares de Moura Costa
Palavras-chave: Planejamento urbano, mudanças climáticas, legislação urbanística, cenários, clima urbano

Resumo

A urbanização das cidades brasileiras é incompleta quanto à existência de serviços públicos, infraestrutura e equipamentos urbanos. Isso é percebido pela ausência de manutenção dos espaços públicos, mesmo em bairros mais estruturados e com populações com rendas mais altas, e também pela fragilidade no controle público e social sobre o impacto e incômodo causado pelas atividades humanas.
A morfologia do espaço urbano edificado produzido pelo desenvolvimento urbano formal caracteriza-se por verticalização, alta impermeabilização do solo, preponderância de áreas com alta amplitude térmica, tendência ao uso de iluminação e climatização artificial.
Os espaços informais geralmente são mais horizontalizados, repetem essas características além de poderem ter podem ter solos expostos e instáveis devido à infiltração de águas residuais, infraestrutura incompleta e edificações frágeis.
A isso se somam a precariedade e informalidade da moradia de grande parte da população, que também vivencia cotidianamente espaços de informalidade nos estabelecimentos de comércio e serviços, no mundo do trabalho e também a ocupação irregular de áreas frágeis e de risco por todas as classes sociais.
Essas características aumentam o risco de impactos negativos relacionados às consequências de eventos climáticos extremos nas cidades (temperaturas muito altas ou muito baixas, chuvas intensas, estiagem e ventos fortes), e sua maior dependência do meio urbano de insumos externos e distantes (energia, água, materiais de construção e abastecimento de forma geral).
O planejamento territorial urbano e periurbano, de forma geral, não se baseia em condicionantes topográficos, geomorfológicos e geoecossistêmicos na definição do uso e ocupação do solo futuro, bem com nas características de desempenho das edificações. A legislação de uso e ocupação é diferente da forma urbana. A cidade real é processual, envolve muitos agentes com diferentes interesses e horizontes temporais. A legislação é produto negociado entre Legislativo, Executivo e agentes com capacidade de atuação política. A legislação é formada de uma mistura idealizada dos interesses do setor econômico do desenvolvimento urbano (incorporadoras, construtoras e parte dos proprietários de terras) com vistas a um futuro próximo, e dos técnicos e operadores do direito urbanístico, que fixam (através do estudo do uso e ocupação do solo existente) parte do passado e idealizam o espaço futuro, tornando-o abstrato, através da representação por índices urbanísticos. Assim, a existência de ordenamento jurídico não é nem garantia de direito à cidade, nem de justiça ambiental.
No estudo da relação entre planejamento e gestão urbanos, morfologia e qualidade ambiental urbana cabe apontar as contradições entre os problemas atuais e os futuros desafios para uma maior abrangência social de padrões de equidade socioambiental e conforto.
Como então considerar esses aspectos em cenários futuros com a perspectiva se consideradas as mudanças climáticas (MC), com previsão maior número de eventos extremos?
A partir destes questionamentos, foi formulada a pesquisa “Mudanças climáticas e as formas de ocupação urbana: estudos comparativos de tipos de ocupação e indicadores socioambientais para adaptação de situações de vulnerabilidade e risco das regiões metropolitanas de Rio de Janeiro e Campinas”, para um edital das agências da FAPERJ e FAPESP voltado a estudos relacionados a MC, necessariamente colaborativos e entre instituições dos dois Estados. Foi a única proposta da área de Ciências Sociais Aplicadas contemplada, envolvendo pesquisadores da PUC Campinas, UFRJ, PUC-Rio e UFF, com formações nos campos da arquitetura, urbanismo, paisagismo, geografia, biologia, ecologia e direito. A equipe de São Paulo tem coordenação de Laura Machado de Mello Bueno-POSURB CEATEC PUCCampinas e a do Rio de Janeiro, coordenação de Vera Regina Tângari-PROARQ FAU UFRJ e pesquisadores da PUC RIO E UFF. Tem 24 meses de duração com final previsto em dezembro de 2013.
Os diferentes caminhos percorridos pelos pesquisadores, de diferentes formações acadêmicas, têm sido explorados para o desenvolvimento de um estudo sobre clima urbano que dialogue com o futuro tendencial e seus possíveis desdobramentos, além de conhecer e interpretar a morfologia da cidade existente e suas bases legais.
A pesquisa objetiva contribuir para a implementação de processos de adaptação dos espaços urbanos ao contexto das paisagens em que estão inseridos visando à mitigação de impactos resultantes das mudanças climáticas por meio do debate de algumas argumentações e do estabelecimento das seguintes metas: 

- indicar a relação entre parâmetros socioambientais (urbanísticos), físico-ambientais (geoecológicos) e de conforto no uso dos espaços urbanos, no caso das novas situações climáticas associadas às mudanças climáticas.
- gerar novas concepções de formulação da legislação urbanística e de planos urbanos que considerem os condicionantes climáticos (de conforto e de risco).
- incorporar metodologias de elaboração de cenários tridimensionais conforme aspectos socioambientais (urbanísticos), físico-ambientais (geoecológicos) e de conforto e clima associados.
Tendo como pano de fundo a interpretação crítica da legislação urbanística, serão elencadas hipóteses de dinâmica climática urbana. Com base nos resultados dos novos cenários realizam-se verificações no seu comportamento quanto a conforto urbano. Tem-se como desejável a elaboração de diretrizes gerais para os espaços urbanos, bem como as unidades territoriais de estudo, planejamento e gestão.
No Rio de Janeiro a área de interesse é a Bacia dos Canais, que engloba os bairros de Vargem Grande, Vargem Pequena e Recreio, frágil território oferecido à urbanização pela legislação local recente, localizado na Baixada de Jacarepaguá e limitado ao norte pelo Maciço da Pedra Branca e ao sul pelo Oceano Atlântico. Sua atual condição possibilita o aprofundamento dos estudos sobre a dinâmica florestal e a vslorizada orla. Na área de 150 km2 foram encontradas quatro subunidades de paisagem: domínio florestal de encostas, domínio de interface floresta/zona edificada; domínio das edificações de baixa densidade construtiva e domínio de alta densidade construtiva. Os processos de urbanização promovidos tanto pelo mercado imobiliário formal quanto pelo Executivo e o Legislativo, seguem tratando a paisagem ao mesmo tempo “verde” e “marítima” como valor simbólico a produzir competitividade e dividendos, ignorando funções ecossistêmcias e características sociais.
Em Campinas são estudadas duas áreas – ao Norte recorte na bacia hidrográfica do ribeirão Anhumas, uma microbacia com 27 km2 em área bem estruturada e consolidada de Campinas. Engloba o Parque do Taquaral, a maior área verde e de lazer da cidade, bairros de alta e média renda e diversas favelas ao longo do ribeirão Anhumas. Ve-se também o surgimento de novas tipologias permitidas pela legislação – pequenos condomínios horizontais em lotes.
Ao longo do ribeirão, na margem esquerda, a Prefeitura empreende, de forma morosa, desde 2007, a Vila Parque Anhumas (PAC Social), com a urbanização das favelas, reconstrução de unidades habitacionais, implantação de equipamentos e ciclovia que, no futuro, deverá ligar-se ao Parque do Taquaral.

A outra área, de 37 km2, localiza-se na região sudoeste, na bacia hidrográfica do ribeirão Piçarrão. As áreas urbanizadas seguiram historicamente uma lógica das oportunidades de parcelamento, regulares ou não, e da necessidade de moradia de grande parte das famílias, de baixa renda, e que portanto excluídas do mercado e também não são atendidas programas públicos de moradia. Esta região deu importante contribuição – no sentido de área de sacrifício - ao desenvolvimento urbano. Acselrad (2004) denomina áreas de sacrifício as diversas áreas degradadas no processo de industrialização. Em nosso caso, ampliamos as tipologias de degradação ocorridas na região sudoeste da RMC, que também foram sacrificadas para produzir e apoiar a atividade urbana em geral (além dos terrenos contaminados por resíduos industriais) como bota-fora, lixões, áreas usadas para remoção de solos, cavas resultantes de exploração de jazidas de produtos para construção civil. Loteamentos populares foram sendo implantados em glebas esparsas, vazios urbanos deixados à valorização, sem estruturação urbana e intra-urbana. O sistema rodoviário e ferroviário, que reforçou a posição econômica de Campinas, veio salientar a segregação histórica. A COHAB concentrou seus empreendimentos na região sudoeste desde os anos 1970, com terra barata, reforçando a baixa qualidade urbanística e a segregação. Atualmente, observa-se na bacia do Piçarrão implantação de empreendimentos habitacionais de grande porte induzidos pelo programa federal Minha Casa Minha Vida.
A Sessão Livre tem como objetivo a apresentação de resultados parciais das duas equipes para uma avaliação crítica da metodologia e aprofundamento analítico.
É necessário ter sempre em mente os horizontes e limites da pesquisa científica. Os estudos sobre microclima urbano caracterizam-se pelo grande número de fatores intervenientes e pouca possibilidade (no contexto do campo, não da simulação) de controle de variáveis. Medições (temperatura, umidade e velocidade do vento) são usadas para calibrar programas de simulação e comparar tipologias. Mas são áreas habitadas e sujeitas a diferentes fatores que podem comprometer os resultados, além da duração da pesquisa (dois anos), exíguo no que confere a estudos climáticos.
Por outro lado, a riqueza da leitura multiescalar e transdisciplinar diferentes instrumentos e pesquisadores, ampliou os resultados quanto à intrincada composição de cenários de morfologia que considerem a dinâmica dos diversos agentes intervenientes no espaço urbano e regional –investimentos públicos e privados, políticas setoriais e práticas sociais de informalidade, além das articulações entre o setor econômico do desenvolvimento urbano e os gestores públicos.

Publicado
2018-10-17
Seção
Sessões Temáticas