SL75 Instrumentos e políticas de mercantilização da propriedade versus a luta pelos direitos à cidade e à moradia:

experiências em São Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza

  • Paula Freire Santoro
  • Júlia Borrelli
  • Rodrigo Faria
  • Luanda Vanucchi
  • Pedro Lima
  • Orlando Alves dos Santos Junior
  • Patrícia Ramos Novaes
  • Mariana Werneck
  • Valéria Pinheiro
  • Sara Vieira Rosa
  • Victor Yacovini
Palavras-chave: mercantilização da propriedade, direitos à cidade e à moradia

Resumo

SL-75. Instrumentos e políticas de mercantilização da propriedade versus a luta pelos direitos à cidade e à moradia: experiências em São Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza

Coordenadora: Paula Freire Santoro (USP)

Resumo:

A dinâmica conflituosa e injusta de formação das cidades brasileiras fez emergir uma teoria urbana, formulada de forma mais estruturada durante a década de 1980, sintetizando duas questões fundamentais: por um lado, a questão democrática, traduzida na proposta de construção da cidadania ativa, capaz de substituir a coalizão de interesses que sustentou o processo de acumulação urbana de forma desigual, por um regime político republicano capaz de assegurar a todos o direito de cidade, isto é, o direito à participação nos processos deliberativos que dizem respeito à cidade. Por outro lado, a questão distributiva, traduzida na proposta de regulação pública do solo urbano e provisão de serviços básicos, de forma a garantir a justa distribuição da riqueza, da renda e das oportunidades geradas na sua produção e gestão, assegurando a todos o direito à cidade como riqueza social em contraposição a sua mercantilização. São estas as questões que foram traduzidas no movimento social organizado em torno da bandeira da reforma urbana e do direito à cidade, cujo principal expressão é o Fórum Nacional de Reforma Urbana, e no arcabouço constitucional e institucional denominado Estatuto da Cidade.

Como as cidades brasileiras estão atualmente experienciando um novo ciclo de desenvolvimento, é importante repensar políticas e práticas de desenvolvimento urbano na direção de garantir que direitos básicos sejam extraídos da população. Elas passam a constituir atrativas fronteiras para o capital financeiro e são incluídas nos circuitos mundiais de acumulação do capital, exatamente em razão do ciclo de prosperidade e estabilidade que o país atravessa, combinado com a existência de ativos urbanos (imóveis e infraestrutura) passíveis de serem espoliados, ou seja, comprados a preços desvalorizados, e integrados aos circuitos internacionalizados de valorização financeira. Ainda, as cidades brasileiras estão vivenciando a emergência de uma governança empreendedora, na qual planejamento e regulação são substituídos por um modelo de intervenção baseado na criação de exceções na legislação e procedimentos junto a um enfraquecimento dos canais institucionais de participação democrática.

A crescente hegemonia dessa governança empreendedorista baseada na lógica de empreendimento urbano – que concebe a cidade como commodities – desencadeia uma dinâmica econômica, social e política que contraria os princípios do direito à moradia e à cidade. A falta de implementação dos instrumentos legais para o combate à exclusão socioespacial consagrados no Estatuto da Cidade, dez anos após sua promulgação, reflete os conflitos entre estas duas abordagens. Se estes instrumentos não são efetivamente aplicados, as cidades brasileiras irão continuar a reproduzir o padrão de urbanização excludente, e irão continuar a enfrentar a mercantilização geradora de impactos graves para os grupos sociais mais vulneráveis.

Nesse cenário, para enfrentar esse novo contexto de aprofundamento da mercantilização da cidade contemporânea, parece necessário exatamente conhecer os mecanismos e processos que bloqueiam e/ou aqueles que favorecem a implementação desses instrumentos.

A partir desta compreensão, foram construídas estratégias de advocacy que buscam influenciar os rumos das políticas, projetos e programas adotados de forma a reverter esta tendência e a possibilitar a inclusão socioterritorial e a ampliação do acesso e permanência ao solo e à moradia adequada, garantindo, promovendo e protegendo o direito à cidade.

Caberá, portanto, a esta Sessão Livre discutir as formas através das quais é possível, utilizando a pesquisa acadêmica como instrumento de intervenção e a pesquisa advocacy, fortalecer a sociedade civil organizada e suas redes para o debate público e participação na formulação, implementação e monitoramento destas políticas, programas e projetos urbanos de forma a alcançar/pressionar/sensibilizar os governos e outros tomadores de decisão.

Serão apresentadas e debatidas, experiências de pesquisa que estão sendo realizadas para monitorar e influenciar a implementação de políticas urbanas municipais com foto no cumprimento da função social da propriedade, inclusão socioterritorial da população de baixa renda e setores mais vulneráveis da população e ampliação do acesso aos serviços urbanos, nas municipalidades do:

• Rio de Janeiro/RJ – o foco da pesquisa é a Operação Urbana Consorciada Porto Maravilha, criada em 2009, sem participação da sociedade civil e com enorme impacto urbano e social, a partir da transformação da região portuária da cidade, uma área de cerca de 5 milhões de metros quadrados.

• São Paulo/SP – acompanha os desdobramentos do novo Plano Diretor Estratégico (Lei n. 16.050/14) face ao atual debate da revisão da Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo da cidade; e a implementação da nova Operação Urbana Consorciada Água Branca (Lei n. 15.893/13), buscando incidir sobre os processos de discussão e deliberação no Grupo de Gestão desta última, junto ao Movimento Água Branca. Atualmente monitora a proposta e edital da PPP da Habitação, também conhecido como Programa Casa Paulista, do Gov. do Estado de São Paulo, que incide parcialmente sobre a área da Operação.

• Fortaleza/CE – acompanha o impacto da implantação do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) sobre diversos núcleos urbanos ocupados informalmente. As famílias que serão removidas em função destes projetos terão como destino o Cidade Jardim, conjunto habitacional do Programa Minha Casa Minha Vida em construção na periferia distante da cidade, que contará na primeira etapa com 5 mil unidades. Cada apresentação deverá dialogar com três eixos de análise sugeridos:

1) propriedade privada e parcerias público-privadas – em que medida estas políticas urbanas acionam a desmercantilização da propriedade? Como se reorganizam os governos em termos institucionais e de gestão para operarem estas políticas e instrumentos? Há uma subordinação da gestão à lógica do mercado?

3) produção de habitação de interesse social (HIS) e de bens urbanos comuns – produção da habitação via mercado ou políticas habitacionais essencialmente públicas? É possível aliar a rentabilidade da terra com a produção de HIS e de bens comuns públicos nestes contextos?

2) conflitos, resistências e movimentos sociais – como se dão as intervenções no debate público, a mobilização e a incidência política nestes contextos? Os espaços públicos de negociação com o poder público são institucionalizados (ex. conselhos, grupos de gestão) ou não? Estes, quando existentes, tem servido para mediar os conflitos ou não? Qual o papel da pesquisa advocacy e suas estratégias de capacitação, formação e comunicação neste contexto?

As experiências estão em andamento no âmbito da pesquisa “Estratégias e instrumentos de planejamento e regulação urbanística voltados a implementação do direito à moradia e à cidade no Brasil – avanços e bloqueios”, realizada no Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ) e em Fortaleza (LEHAB/UFC) pelos respectivos núcleos da rede Observatório das Metrópoles e em São Paulo pelo LabCidade (FAUUSP), com apoio da Fundação Ford e bolsistas do CNPq e FAPESP.

Quando se coloca como desafio a reflexão acerca da questão do espaço, do planejamento e da insurgência sociopolítica no contexto urbano-regional, trata-se de uma provocação a um pensamento propositivo, tendo em vista a necessidade de construção de alternativas e novas oportunidades e possibilidades de organização socioespacial no país.

Exposição: O movimento pelo Direito à cidade e as conquistas e desafios frente ao novo Plano Diretor Estratégico de São Paulo

Expositora: Paula Freire Santoro (USP); Júlia Borrelli (USP)

Resumo: Ao longo do processo de revisão participativo do Plano Diretor Estratégico de São Paulo, que durou cerca de 18 meses, diversos movimentos sociais e ativistas se reuniram no Movimento pelo Direito à Cidade no Plano Diretor de São Paulo, com o objetivo de avaliar o que vinha sendo proposto e formular contribuições conjuntas questionando e enfrentando as propostas que obstruíam a garantia ao direito à cidade e à moradia, expressas na arena política. Nesta sessão livre serão abordadas as resistências frente ao estabelecimento de uma grande Macroárea, que corresponde a 15% da área do município, para a qual se pretende transformar através da elaboração de planos e projetos urbanos, superando as regras que normalmente são pensadas lote-a-lote, mas ao mesmo tempo flexibilizando parâmetros urbanísticos, permitindo processos de gestão dos serviços e desapropriação pelo privado, estimulando a formação de fundos de investimento imobiliário e parcerias público-privadas através de diferentes instrumentos e que obedecem uma lógica onde a rentabilidade da financeirização ganha espaço e ameaça a garantia dos direitos. Serão Projetos de Intervenção Urbana – PIUs, combinados com outros instrumentos urbanísticos, como Operações Urbanas Consorciadas, Concessão Urbanística, Áreas de Intervenção Urbana. Outro desafio foi, por um lado, ampliar a reserva de terras para urbanização ou construção de novas unidades de habitação de interesse social – HIS; por outro, obter recursos e terras para HIS a partir do desenvolvimento urbano, com recursos carimbados sobre os fundos de desenvolvimento urbano ou mesmo a partir da aprovação de grandes empreendimentos.

Exposição: Uma nova forma de Operação Urbana Consorciada? Os desafios da gestão da Operação Urbana Consorciada Água Branca em São Paulo/SP

Expositor: Rodrigo Faria (USP); Luanda Vanucchi (USP); Pedro Lima (USP)

Resumo: A Operação Urbana Consorciada Água Branca (Lei n. 15.893/13) traz aspectos que dialogam com os já expostos pela tradicional crítica deste instrumento, e que se traduzem na ausência de projeto urbano; na concentração dos recursos para infraestrutura urbana de mobilidade que privilegia modos motorizados individuais; ausência ou pouco recurso para habitação de interesse social, expulsão dos moradores; e ausência de formas de monitoramento e gestão participativa. Esta Operação: (i) propõe um certo grau regulação que procura desenhar um projeto urbano, bem como lista intervenções relativas nà habitação, mobilidade para modos motorizados coletivos e não motorizados, patrimônio histórico, meio ambiente, etc.; (ii) cria um perímetro expandido onde podem ser utilizados recursos obtidos para atendimento às necessidades habitacionais de baixa renda e transporte público coletivo e a ainda, carimba 22% de seus recursos para produção de habitação de interesse social; (iii) possui um Grupo de Gestão deliberativo e paritário, envolvendo sociedade civil organizada e poder público. Se parece haver mudanças em relação à regulação, o período de um ano de sua gestão apresentou os mesmos desafios de processos de mercantilização da propriedade e de estruturação de políticas sob a lógica do mercado imobiliário e não das necessidades habitacionais: interesses políticos e imobiliários específicos são prioritários e se sobrepõem aos da sociedade civil organizada moradora; expulsão dos moradores de favelas sem posterior relocação no perímetro; demora na elaboração de projetos de habitação x eficiência na elaboração de projetos viários como a Ponte de Pirituba; população moradora sem voz ativa.

Exposição: A mercantilização da propriedade x conflitos e resistências no contexto da Operação Urbana da área portuária do Rio de Janeiro/RJ

Expositor: Orlando Alves dos Santos Junior (UFRJ); Patrícia Ramos Novaes (UFRJ); Mariana Werneck (UFRJ)

Resumo: Criada pela Lei Municipal n. 101/2009 criou a Operação Urbana Consorciada – OUC da Área de Especial Interesse Urbanístico – AEIU da Região Portuária do Rio de Janeiro abrange 5 milhões de metros quadrados e iniciou-se a partir da instituição de uma parceria público-privada para efetivar esta operação urbana. Desde então, estão sendo desenvolvidas diversas obras de requalificação urbana e diversas políticas visando atrair investidores para a construção de escritórios e habitações de média/alta renda. A existência das classes populares em áreas de interesse por parte de grandes agentes econômicos se torna um obstáculo ao processo de apropriação desses espaços aos circuitos de valorização do capital vinculados à produção e a gestão da cidade e tem sido objeto de inúmeros conflitos sociais. No caso da região portuária, além do perfil popular dos atuais moradores, há que se considerar a existência de ocupações organizadas pelos movimentos de moradia. Nesse cenário, busca-se analisar o conflito em torno da mercantilização/desmercantilização da região portuária, com foco no acesso à moradia. Por mercantilização, entende-se os processos de remoção/ expulsão das classes populares e da transferência de patrimônios sob a posse das mesmas para outros agentes com maior poder econômico, expressando processos de acumulação por despossessão, tal como formulado por David Harvey. Por outro lado, por desmercantilização entende-se os processos de resistência na perspectiva da afirmação do direito à moradia, protagonizado pelos movimentos populares, na perspectiva da criação de espaços heterotópicos, tal como formulado por Henri Lefebvre.

Exposição: O caso do Veículo Leve sobre Trilhos em Fortaleza/CE

Expositora: Valéria Pinheiro (UFC), Sara Vieira Rosa (USP); Victor Yacovini (USP).

Resumo: Fortaleza passa por amplas transformações na sua estruturação urbana marcadas pela implementação de grandes projetos urbanos que levam a remoções de milhares de famílias notadamente associadas as obras viárias, aos sistemas de transporte e a contenção de áreas de risco, acirradas no processo de preparação da cidade para o megaevento Copa do Mundo 2014. Frente ao problema habitacional, na forma como o mesmo se manifesta na cidade com suas mais de 600 áreas de ocupação/favelas – a grande maioria destas obras traz como impactos a necessidade de remoções de centenas de famílias a cada novo projeto, ou mesmo a milhares, quando as intervenções são de maior porte. A implantação do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) promete impactar diversos núcleos urbanos ocupados informalmente com a remoção de mais de 2.000 famílias. A principal alternativa habitacional oferecida é o Residencial Cidade Jardim (conjunto em construção na periferia da cidade, que contará, na primeira etapa, com 5.336 unidades e já se fala que no total será mais de 23 mil unidades, obra do Programa MCMV, alternativa para todos os processos de remoção em curso na cidade. Além deste, se busca analisar na pesquisa uma outra proposta de reassentamento de comunidades afetadas por ações do poder Público, o Aldeia da Praia (no Serviluz, que teoricamente servirá para reassentar moradores do entorno). Insatisfeitos, geraram uma rearticulação das forças populares frente às ameaças e as políticas em curso.

Publicado
2019-05-23
Seção
Sessão Livre