SL70 Códigos da cidade: incertezas no espaço público-privado metropolitano carioca.

  • Cláudio Rezende Ribeiro
  • Tatiana Cotta Gonçalves Pereira
  • Marlise Sanchotene de Aguiar
  • Rosângela Lunardelli Cavallazzi
  • Wagner Rufino
  • Isabela Bacellar Guimarães
  • Camila Mira Lima Borghezan
  • Mariana Trotta Dallalana Quintans
  • Cláudio Rezende Ribeiro
  • Vítor Halfen Moreira
Palavras-chave: espaço público-privado

Resumo

SL-70. Códigos da cidade: incertezas no espaço público-privado metropolitano carioca.

Coordenador: Cláudio Rezende Ribeiro (UFRJ)

Resumo:

Objetivo

Esta Sessão Livre tem como objetivo contribuir para um entendimento a respeito da produção de novas espacialidades que têm como regra o aumento de vulnerabilidades que surgem pelo viés de incertezas jurídico-urbanísticas. As apresentações serão conduzidas a partir de casos-referência localizados na região metropolitana do Rio de Janeiro. Em termos metodológicos, o debate proposto aprofunda a ação dialógica necessária entre os campos do direito e do urbanismo a fim de evidenciar problemas contemporâneos que surgem na direção oposta da realização do direito à cidade. Partindo da constatação de que a coisa pública, incluindo o seu espaço, cada vez mais tem se tornado coisa pública-privada, a Sessão Livre aponta e problematiza ações jurídico-urbanísticas que reforçam esta alteração hegemônica a partir do espaço carioca. Ao mesmo tempo, busca revelar possíveis ações de insurgência que constituem a possibilidade de realização de novas práticas instituintes sem deixar de destacar também reações já iniciadas contra estas novas formas de resistência que configuram a luta pela cidade.

Justificativa

A disputa entre a coisa pública e o bem privado é característica estrutural da história da formação social e espacial brasileira. A prevalência do interesse privado acompanha a construção do espaço brasileiro de diferentes formas ao longo de sua transformação secular. Para pensar e propor alternativas contemporâneas a esta maneira de reprodução social, é mister que seja compreendido, no momento atual, a forma específica de manifestação desta relação complexa. Esta Sessão Livre pretende contribuir para a evidenciação de como a relação entre o setor privado e o setor público se aprofunda, em favor daquele, que se torna cada vez mais hegemônico a partir do delineamento de construções normativas que replicam no espaço a lógica da privatização de maneira cada vez mais perversa e sofisticada. Para possibilitar esta compreensão, os trabalhos compõem um diálogo entre a norma e a forma, utilizando a paisagem urbana como instrumento de interpretação social amplo que constrói costuras necessárias para a evidenciação da produção necessária do direito à cidade.

A transformação de espaço contemporânea, sobretudo nas grandes metrópoles brasileiras, tem acelerado seu tempo de ação, produzindo robustas alterações nas paisagens urbanas que interferem de maneira direta no aumento do preço do solo trazendo consequências perversas para a maioria da população brasileira, sobretudo por impor um aumento das incertezas relacionadas ao direito à moradia. Tais dinâmicas incorporam o retorno de práticas abusivas como as remoções, gentrificações reforçadas também pelo aumento estimulado de aluguel, proporcionado pelo aperfeiçoamento de discursos e normatizações que constroem novas frentes de avanço do setor privado através de ferramentas e instrumentos de planejamento e projeto urbano que moldam seu espaço hegemônico produtor de desigualdades. Estas ferramentas estão relacionadas à lógica das PPPs (Parceria Público-Privado) que encontrará nas Operações Urbanas Consorciadas seu suporte espacial ideal e que tem como resultado um espaço cuja forma se torna cada vez mais homogênea, e seu conteúdo cada vez mais voltado para finalidades de ampliação do valor de troca da mercadoria cidade.

As práticas que reforçam a produção de um espaço “público-privado” não se dão apenas no campo espacial, mas por meio de uma conjunção de ações, muitas vezes contraditórias, mas que tendem a uma mesma direção. Estes códigos da cidade merecem atenção e quando estudados de maneira interdisciplinar, são capazes de revelar novos problemas ou mesmo questões constantes que surgem com nova roupagem, auxiliando a construção de críticas que podem se dar na direção de identificar, inclusive, práticas sociais instituintes de novas manerias de resistir e produzir, inclusive, discursos e ações capazes de renovar a necessidade de reforma urbana. O debate proposto englobará trabalhos que estabelecem o diálogo entre o urbanismo e o direito em diferentes frentes, revelando sempre a contradição presente que acirra a produção de espaço privatizante.

Tendo como foco o espaço metropolitano do Rio de Janeiro, os diálogos propostos traçarão um panorama complexo a respeito da produção de sua nova paisagem, construindo uma análise que direciona um entendimento de totalidade das alterações territoriais vigentes que são possíveis na medida em que a norma é capaz de se articular com o projeto.

Tomando como caso referência a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, e suas formas de administração ao longo do tempo, busca-se analisar a relação de forças entre a cidade núcleo e suas periferias, e como o espaço metropolitano é construído a partir desse jogo. A assimetria espacial entre a metrópole e sua região entra em conflito com a delimitação normativa que pressupõe poderes equivalentes entre municípios. Questões relacionadas ao direito à cidade, por exemplo, trazem à tona a centralidade urbana em disputa, isto é, na medida em que a metrópole expande seu tecido (o que já é, por si só, fruto do projeto urbano contemporâneo), o centro urbano reforça seu papel, possibilitando que a periferia, por sua vez, ganhe limites cada vez mais indefinidos e fragilidades se tornem ampliadas. O uso de áreas periféricas como “zonas econômicas de desespero” é expandido e aprofundado quando a regulamentação de serviços relacionados ao meio ambiente se realiza também através de PPPs. A ampliação da metrópole privatizante, assim, surge como um elemento desorganizador do espaço da periferia.

Assim, a nova estrutura produtiva industrial da metrópole carioca reconfigura contradições metropolitanas que podem ser percebidas a partir da espacialidade do Arco Metropolitano como objeto articulador de um conteúdo produtivo desenvolvimentista que, ao mesmo tempo que amplia o alcance da paisagem industrial rumo a novas fronteiras da metrópole, possibilita a liberação de áreas centrais (numa ampliação do que se pode compreender como centro) para atividades diretamente relacionadas à produção do espaço que se valoriza a partir de projetos urbanos que alcançam, neste momento, um desenvolvimento técnico capaz de adaptar espaços de forma cada vez mais abrupta à lógica da cidade mercadoria via Operações Urbanas Consorciadas.

Estes elementos encontram eco, também, na maneira como o urbanismo tem se constituído nas últimas décadas, isto é, produzindo uma forma de concepção espacial que esconde o conflito como elemento estruturador do espaço, privilegiando a conciliação capital-trabalho desde sua concepção, o que produz uma espacialidade específica, uma paisagem que dialoga com o resultado privatizante do novo conjunto de normas urbanas. O espaço público-privado não se anuncia como tal e sua produção é concebida a partir de projetos que acabam por conceber o espaço hegemonicamente segundo as regras dominantes, naturalizando seu processo de transformação, servindo como elemento produtor de ideologia. Este fator se relaciona diretamente ao modo de trabalho do arquiteto e urbanista contemporâneo que reflete, também, o modo de produzir cidades que ele concebe, ou seja, uma cidade alienante. Os projetos urbanos, portanto, devem ser compreendidos segundo o novo modo de produção privada do espaço urbano brasileiro.

Esta forma de reprodução social é compreendida de maneira mais eficaz na medida em que o instrumento jurídico das Operações Urbanas Consorciadas é percebido pelo viés da eficácia social da norma, desconstruindo o senso comum do positivismo jurídico e revelando a disputa política desta ferramenta, isto é, desta técnica de planejamento que cada vez mais se torna hegemônica em diferentes cidades em projetos sucessivos. É necessário esclarecer quais têm sido os conceitos e fundamentações, por exemplo, adotados pelos tribunais diante das ações judiciais instauradas nesta mesma região e verificar como o campo do Direito tem incorporado os princípios do Urbanismo e do Direito Urbanístico.

Por fim, a consequência do avanço destas Operações tem como resultado direto a expulsão de milhares de moradores de suas casas, seja através da remoção, seja como resultado do aumento do preço do solo. Este fenômeno acarreta, como realização da história, o aumento de insurgências relacionadas diretamente à luta por terra na cidade, mas que não se encerra neste campo, posto que, cada vez mais, a questão do Direito à Cidade se mostra presente na conexão das reivindicações que são construídas a partir de uma questão espacial, mas não se resume a ela.

As remoções, a valorização do solo como regra, a reorganização territorial da periferia, todos estes elementos constituintes do espaço público-privado geram também resistências que, por sua vez, são reprimidas de formas distintas: da força direta à força legal que também produz novos discursos que garantem a transformação tradicional, mantendo a primazia do privado sobre o público. É tema necessário compreender como se constitui a legitimidade e legalidade de diferentes formas de resistência, como, por exemplo, as ocupações de terra por movimentos sociais urbanos tais como o MNLM e o MTST, relacionando com o descumprimento da função social da propriedade, da cidade e do direito à moradia. Sobretudo, é mister compreender a maneira como são desconstruídas tais formas de luta a partir de respostas do poder judiciário, na forma de liminares possessórias, que criam novas barreiras à garantia do cumprimento da função social da propriedade e da cidade.

Estas questões incorporam uma Sessão que articula pesquisadores da área jurídica e do urbanismo em constante diálogo estimulador de colisões necessárias para a constituição de novas perguntas para velhos problemas de modo a questionar a finalidade do desenvolvimento urbano contemporâneo de maneira ampla e rigorosa, sempre na direção da produção de justiça social a partir da realização do direito à cidade.

Exposição: Relação centro-periferia nas dimensões espacial, normativa e simbólica: escalas, competências e vulnerabilidades

Expositoras: Tatiana Cotta Gonçalves Pereira (UFRRJ), Marlise Sanchotene de Aguiar (UFRJ)

Resumo: O espaço metropolitano do Rio de Janeiro, como produto de disputas socioespaciais, concentra intrincadas relações centro-periferia. Podemos pensar essas relações a partir de alguns eixos: em olhar espacial, periferia como local de oposição ao centro, oposição à cidade central; num viés jurídico, o que existe são municípios, formulados normativamente como entes federativos dotados dos mesmos poderes; em uma dimensão simbólica, periférico é tudo aquilo que gravita em torno do principal, que se coloca à margem deste. Nesse sentido, os conflitos de gestão territoriais intensificaram-se a partir da Constituição de 1988 que, de um lado, não estabeleceu a região metropolitana como um ente federativo e de outro, permite que a autonomia dos municípios espacialmente menores seja ameaçada por essa gestão administrativa espacialmente maior. Da mesma forma, os discursos políticos e midiáticos criam e reforçam atributos e características centrais em oposição a condições periféricas, ressignificando o universo simbólico, conforme Bourdieu. Esse imbróglio que a norma constitucional e os discursos provocam acaba por repercutir na forma e possibilidades de gestão e na configuração socioespacial. Tomando como referência a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, busca-se analisar a problemática da decisão da destinação final dos resíduos sólidos da metrópole no município de Seropédica e a questão histórica da população residente no porto do Rio. Assim, a apresentação busca refletir acerca da construção jurídica e do universo simbólico que legitima a sobreposição de espaços urbanos e estruturas simbólicas centrais aos periféricos.

Exposição: Códigos da cidade: colar industrial na Região Metropolitana do Rio de Janeiro

Expositores: Rosângela Lunardelli Cavallazzi (UFRJ; PUC-Rio), Wagner Rufino (UFRJ)

Resumo: Um rápido crescimento marcado por típicas contradições vem promovendo importantes mudanças na dinâmica econômica e na estruturação dos territórios em distintas regiões do Estado do Rio de Janeiro. No entanto, o que parece figurar como novidade se refere à perspectiva da configuração de um território produtivo na franja da região metropolitana do estado. O recente alinhamento político entre a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, o governo do estado e o governo federal vem promovendo uma frente de investimento estatal em infraestrutura – e uma série de novos investimentos nos setores produtivos – dando indícios de importantes transformações e de novas estratégias a serem verificadas. (a) A implantação do Arco Metropolitano do Rio de Janeiro, ligando o COMPERJ ao Porto de Itaguaí e atravessando sete municípios da RMRJ, (b) as mudanças locacionais promovidas no estoque de terras disponível ao longo do eixo estruturado pelo Arco no limite da região metropolitana, e (c) as diversas plantas industriais já anunciadas, em implantação ou em atividade sugerem (1) a configuração de um colar industrial na RMRJ, podendo vir a reposicioná-la na organização da produção industrial brasileira e (2) a retomada do interesse da localização da produção em regiões metropolitanas, agora na periferia da periferia de seus territórios.

Exposição: O diálogo entre o Direito e o Urbanismo: objetos e fundamentações no âmbito das ações judiciais relativas às intervenções urbanísticas na região metropolitana do Rio de Janeiro/RJ.

Expositoras: Isabela Bacellar Guimarães (UFF), Camila Mira Lima Borghezan (UFRJ)

Resumo: O diálogo entre o Direito e o Urbanismo se traduz num processo contínuo de articulação entre seus diferentes elementos e deve ser estabelecido para o atendimento das demandas plurais e coletivas, em face da função pública desses dois campos. Este trabalho tem o intuito de examinar como se dá esse diálogo no âmbito do poder judiciário, analisando-se as ações instauradas pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública e por organizações civis, buscando levantar os principais objetos das lides relativas às intervenções urbanísticas. As ações e decisões analisadas para este trabalho abrangem aquelas relativas aos municípios da região metropolitana do Rio de Janeiro, a partir de 2007, com a aprovação do Brasil como sede da Copa do Mundo de Futebol da FIFA e do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016. O trabalho busca localizar, no espaço urbano, os conflitos levados ao poder judiciário, principalmente nas áreas de Operações Urbanas Consorciadas e obras viárias de grande porte, como elemento fundamental para a análise crítica das decisões judiciais. A pesquisa é organizada de acordo com o momento do início da ação e a etapa da intervenção urbanística: no momento da aprovação de lei relativa a intervenções urbanísticas ou decreto, em período anterior ao início das obras e durante a execução das obras. Objetiva-se identificar quais são os conceitos e fundamentações adotados pelos tribunais diante de tais ações judiciais e verificar em que medida as decisões dos tribunais consideram os princípios do Urbanismo e do Direito Urbanístico.

Exposição: A judicialização de lutas sociais por moradia: violações de direitos fundamentais na região metropolitana Rio de Janeiro no início do século XXI.

Expositora: Mariana Trotta Dallalana Quintans (UFRJ)

Resumo: O ordenamento jurídico brasileiro reconheceu como direito fundamental a moradia digna. Entretanto, os dados sobre o déficit habitacional brasileiro sinalizam para a falta de efetividade social. Nesse contexto, nas últimas décadas alguns movimentos sociais de luta pela moradia tem centrado sua ação coletiva em ocupações de imóveis públicos e privados que descumprem sua função social, como o Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) e Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Vários desses casos foram judicializados por meio de ações possessórias (interditos proibitórios, manutenções e reintegrações de posse). Nessas ações, majoritariamente os magistrados concedem imediatamente as liminares possessórias, com base na apresentação de título de domínio pelos proprietários. São raros os casos em que são marcadas audiências de justificação de posse e nos quais os magistrados analisam a função social da posse. Esse tipo de resposta do judiciário gerou casos de graves violações de direitos fundamentais, como na ocupação do terreno da OI/TELERJ (Rio de Janeiro) e em Pinheirinho (São José dos Campos). O objetivo da comunicação é analisar as ações coletivas dos movimentos de luta pela moradia na região metropolitana do Rio de Janeiro (especialmente do MNLM e MTST) e a resposta do judiciário nesse início de século XXI.

Exposição: Projeto urbano: espaço como ideologia? Caso-referência do Porto Maravilha

Expositores: Cláudio Rezende Ribeiro (UFRJ), Vítor Halfen Moreira (UFRJ)

Resumo: A produção do espaço submetida às novas regras oriundas da Operação Urbana Consorciada que compõem a Área de Especial Interesse Urbano (AEIU) Porto Maravilha é encarada aqui a partir do significado da atuação do campo da arquitetura e do urbanismo no âmbito do “projeto urbano”. A naturalização contida na maneira hegemônica de realizar um projeto urbano, encarado aqui como possível forma síntese de negociação entre diversas esferas políticas, sociais, econômicas e jurídicas define uma paisagem resultante destas Operações que, ao mesmo tempo em que revela a sua condição privatizante voltada para a reconfiguração do espaço como negócio, oculta a maneira como essa produção aprofunda a forma de trabalho alienante do profissional da arquitetura e do urbanismo. Partindo da identificação da paisagem urbana em consolidação no Porto Maravilha, esta exposição demonstra, a partir de amplo levantamento, como a organização do trabalho de concepção e execução deste espaço, que opera de maneira cada vez mais fragmentada entre diversas empresas, agências, escritórios em diferentes projetos, acaba por aprofundar a constituição de uma espacialidade repetitiva que encontra na diferença de sua forma a manutenção de um conteúdo desigual que, cada vez mais, resta oculto, levando a possibilidade de questionar se não seria o próprio espaço um produtor de ideologia.

Publicado
2019-05-23
Seção
Sessão Livre