SL64 Imagem, memória e paisagem

  • Eber Pires Marzulo
  • Frederico Guilherme Bandeira de Araujo
  • Juliana Michaello Macêdo Dias
  • Carolina Fonseca

Resumo

SL-64. Imagem, memória e paisagem

Coordenador: Eber Pires Marzulo (UFRGS)

Resumo:

A virada visual (visual turn) emerge na contemporaneidade como nova inflexão nas ciências socioistóricas e estudos espaciais trazendo a questão das imagens ao centro do debate em diferentes âmbitos acadêmicos, em particular nas artes e humanidades. Dada a relevância da imagem no campo do planejamento urbano e regional estendido aos estudos urbanos problematizar a questão das imagens se faz inadiável, pois os discursos imagéticos interferem nos processos de entendimento e compreensão do espaço. Há uma produção e uma circulação de imagens de maneira tão intensa e tão rápida que a relação com espaço e territórios está constantemente em modificação. Por um lado, as imagens constroem e reconstroem a memória, na medida em que se somam e interpõem como discursos que rearranjam espacialidades. Por outro, as imagens dão contorno e caráter ao nosso entorno se traduzindo em paisagem, categoria hoje elevada a um status de recurso ambiental e cultural. Se a força das imagens é uma questão contemporânea do ponto de vista de sua incidência sobre as materialidades espaciais superando ou, no mínimo, disputando com os textos escritos a legitimidade e relevância para a compreensão dos processos sócio-espaciais, assume novos contornos desde uma perspectiva anti-platônica, pois nesta perspectiva as imagens adquirem o estatuto de discursos que disputam a instauração do mundo. Disputa que, desde a virada lingüística (linguistic turn) colocam os discursos na posição de formulações que atuam sobre a instauração do mundo e da vida e não mais como representações de uma hipotética realidade inacessível como se apresentam todas as compreensões de referencial platônico. As viradas, assim, colocam questões de caráter epistemológico ao problematizarem as possibilidades de acesso ou entendimento do pensamento sobre o mundo das coisas e de ruptura com as abordagens representacionais. Nosso campo de estudos apresenta especial possibilidade de aprofundamento da questão trazendo contribuições específicas à discussão sobre as imagens e também para a produção acadêmico-cientifica e referenciais práticos da área de PUR. Em relação à contribuição de caráter geral à temática, nossa área permite articulações transdisciplinares acionando tanto as discussões filosófico-epistemológicas quanto as imediatamente socioeconômicas como também o conjunto de disciplinas que tem como centro problemáticas territoriais e espaciais superando uma tendência de abordagem do tema apenas por disciplinas em que a imagem tem centralidade como objeto, a saber, as artes, artes aplicadas e humanidades. Não se pode esquecer que cartografia, projeto e plano são instrumentos e temas centrais na área PUR marcados pela produção de imagens, muitas vezes sem uma reflexão com o grau de aprofundamento necessário para a compreensão e entendimento do sentido que o uso destas imagens implica em termos analíticos. Pode-se pensar sobre a questão de o quanto a imagem de cartografias, projetos e planos atuam sobre a construção e compreensão do espaço indo muito além de meros instrumentos descritivos e/ou de representação de idéias, mas antes, enquanto discursos que buscam incidir na constituição da materialidade das sociedades históricas. Cabe salientar a particular importância da questão no quadro de constituição da moderna sociedade brasileira, na medida em que diferentemente dos processos de constituição das identidades nacionais no quadro moderno ocidental, fundadas na literatura e, logo, no domínio da leitura cujo sentido implica na formação de um sistema literário constituído pelo mercado editorial, rede de bibliotecas e sistema de ensino; na sociedade brasileira, a função da leitura e dos sistemas a esta associados não se desenvolveu plenamente ficando restrita a parcelas dos grupos sociais dominantes tendo a constituição da unidade identitária nacional estabelecida em um primeiro movimento pelo rádio complementado no período da ditadura militar pela televisão e sua imensa capacidade de alcançar os pontos mais distantes e ermos do território nacional forjando mito de origem, paisagem, tipos humanos, valores morais e idioma. A ideia de nacionalidade brasileira, nessa perspectiva, constitui-se fundada em imagens que formulam um discurso imagético sobre o território e a população estabelecendo ao longo do tempo uma paisagem identificadora da nação. Por se tratar de questão absolutamente atual e pouco tratada no âmbito de nosso campo de estudos e pela particular importância que assume na formação da sociedade nacional brasileira, a questão da imagem se apresenta como tema que tende a ocupar posição central nas investigações no Planejamento Urbano e Regional e estudos urbanos e regionais em geral. Em suma, tem-se como urgente afirmar a questão dentre as emergentes na área. O objetivo desta sessão livre será provocar o debate sobre a incidência das imagens na constituição de disputas discursivas sobre o espaço, em especial o urbano-metropolitano, a partir da instauração de discursos sobre o espaço desde imagens que constituem e são constituídas pela memória e assim estabelecendo as paisagens, por princípio, culturais. Trata-se de continuar a discussão desenvolvida em sessões livres anteriores (XIV EnANPUR Rio, 2011; e XV EnANPUR Recife, 2013) sobre a imagem como discurso, agora centrando nas relações entre paisagem e memória. Seja a imagem como instrumento ou método para análise morfológica; seja na problematização de sua intangibilidade e interpretação do discurso imagético; seja na implicação da imagem na construção de valores que orientam a operação sobre o espaço. Entende-se que a imagem está inserida tanto nos processos interpretativos como nos processos operativos de apropriação do espaço. A discussão se torna particularmente relevante porque no momento as imagens deixam de ser interpretadas por seu aspecto figurativo e passam a ser tratadas por seu aspecto discursivo. Da mesma forma, o debate contemporâneo sobre a memória também tem recaído sobre os processos de sua construção. A problemática da memória tem intrínseca a questão da imagem a partir do estabelecimento do discurso imagético como recurso de constituição da memória e, também, de afirmação de determinado sentido da memória pelo estabelecimento de determinada imagem. Na fronteira do conhecimento do tema se tem a questão da pós-memória, noção que busca definir as especificidades da memória constituída a partir de memórias anteriores. Pós-memória aparece assim como recurso analítico capaz de precisar as dinâmicas de formação de determinadas imagens desde relatos do presente por sujeitos que não são contemporâneos dos eventos, todavia marcados e constituídos por eles. As relações entre os modos de vida e a formação de construção das territorializações dos pobres das periferias urbanometropolitanas no Brasil podem encontrar explicações na memória após a experiência da economia de subsistência na sociedade escravista do século xix, assim como a experiência contemporânea da mobilidade intra-metropolitana em geral traumática para os pobres pode acionar uma pós-memória de diásporas anteriores. Nesse contexto, as imagens da pós-memória são formuladoras de paisagens contemporâneas, através da construção objetiva das materialidades ou em processos interpretativos das paisagens que se impõem como discurso unificador de condições sócio-espaciais específicas, como as atribuições negativas ao campo ou as positividades resgatadas recentemente da paisagem amazônica ou do sertão verdejante na filmografia contemporânea brasileira. Paisagem que cada vez mais rompe com sua conceitualização de origem geomorfológica para se afirmar como aspecto imediatamente cultural, em virtude de processos de construção desde imagens e memórias que a legitimam, fortalecendo o vínculo entre imagem, memória e paisagem provocando necessariamente o debate sobre as interpenetrações dos categorias/noções aqui acionados.

Tratar, no âmbito do EnANPUR, da imagem, memória e paisagem é dar profundidade e evitar a banalização das inúmeras formas de utilização dessas categorias/noções no planejamento territorial contemporâneo, seja em políticas de preservação do patrimônio cultural, de incentivo turístico ou de uso e apropriação do espaço. Há que considerar a formulação sobre imagem, memória e paisagem na fronteira frágil entre a materialidade e imaterialidade, entre o individual e o coletivo, entre o passado e o presente, entre a testemunha e a invenção, entre o mental e a ação. Para a discussão, estarão reunidos grupos de pesquisa que já tem estabelecido uma tradição de encontros nas últimas cinco (5) edições do EnANPUR sempre contando com grupos de pesquisa convidados e participantes do campo do planejamento urbano e regional interessados nas questões propostas pelos grupos anfitriões. Cabe ressaltar que GPIT/UFRGS, GPMC/UFRJ e Nordestanças/UFAL pertencem a mesma rede grupos de pesquisa de escala latinoamericana – Rede Latinoamericana Imagem, Identidade e Território (Rede LAIIT), em processo de se tornar iberoamericana. Reúnem-se nessa SL estudos sobre as Culturas agrestes, trabalho proposto pelo Grupo de Pesquisa Nordestanças (UFAL/Universidade Tiradentes), Perimetral – um experimento com o jogo das metamorfoses do Grupo de Pesquisa Entrópicos (UFG), Rastros do semnome que o diga do Grupo de Pesquisa Modernidade e Cultura (GPMCIPPUR/UFRJ) e Da imagem à paisagem: uma trajetória para o sentido do Grupo de Pesquisa Identidade e Território (GPIT-FAU/UFRGS).

Exposição: Da imagem à paisagem: uma trajetória para o sentido

Expositor: Eber Pires Marzulo (UFRGS)

Resumo: Torna-se inevitável ao tratar da questão da imagem associada a paisagem um salto em direção a problemática da hierarquização dos termos. Por isto, adianta-se que a abordagem aqui tomada coloca a noção de imagem como norteadora da categoria paisagem. Trata-se sim da definição de estatutos distintos, por ser absolutamente necessário o estabelecimento da relação proposta para se enfrentar o problema a ser apresentado. O problema em tela é: como a imagem orienta o reconhecimento da paisagem? É desta forma que se entende como havendo uma primazia da imagem como noção abstrata capaz de projetar o estabelecimento da paisagem. Invertamos a pergunta: como a paisagem orienta o reconhecimento da imagem? Soa sem sentido, pois está intrínseco na ideia de paisagem um conteúdo descritivo tanto como na noção de imagem um alto grau de abstração, quase uma categoria de pensamento. Logo, não faria sentido a paisagem orientar a compreensão da imagem. Imagem não funciona como categoria descritiva, enquanto paisagem sim. De acordo com esses termos, segue-se em direção a investigação de processos de constituição de paisagens desde imagens. Duas empirias são trazidas para a análise. A primeira remetendo a paisagem que afirmou o pampa como território que identifica parcela do sul do Rio Grande do Sul, Uruguai e parte da Argentina. A segunda se refere à imagem constituída pela cartografia das favelas nas grandes cidades brasileiras. Ambos os discursos imagéticos incidem sobre a materialidade.

Exposição: Rastros do sem-nome que o diga

Expositor: Frederico Guilherme Bandeira de Araujo (UFRJ)

Resumo: RASTROS DO SEM-NOME QUE O DIGA problematiza a palavra experiência. Apresenta três escrituras (escritos, imagens) distintas, ainda que absolutamente imbricadas, que argumentam de modo fragmentário, não linear sobre ideações que associam ao termo experiência enquanto agenciamento coletivo de enunciação. São escrituras que se conectam ou disjuntam na singularidade de cada leitura / escuta. O trabalho constitui-se como um dizer que escapa a qualquer plano de legitimação ou valoração determinada heteronomamente pelo poder instituído ou praticado, como dizer que não afirma e nem opera premido por quaisquer exigências externas de eficiência - prazos, urgências, medidas, precisão, mas que prima pelas afectações poiéticas que possa suscitar. Como apontado, compõe-se de três escrituras rastro (marca sem origem) que se tramam rizomaticamente: RASTRO SETE-PELE: DESINVENTAR PROFUNDEZAS, RASTRO BELZABU: INVENTAR ESTRATÉGIAS SUPERFÍCIES e RASTRO DIANHO: DEPOIS DO HORIZONTE AZUL OU PARA O INFINITO E ALÉM, AQUI. O primeiro problematiza direta e explicitamente a palavra experiência no ensejo (inviável) de dizê-la cabalmente de modo não-ontológico. Rastro Belzabu procura imbricar os verbos experienciar, territorializar, agenciar e narrar, borrando essa trama por meio de imaginações suscitadas por palavras e imagens labirinto e deserto. O último, Rastro Dianho, é uma redobra sobre si mesmo dos rastros agenciados, sob a forma de um suposto testemunho (ato de memória). Cada uma dessas escrituras, montada como coleção fragmentária de dizeres, não se pretende explanação apodítica sobre qualquer coisa, mas sim provocar aos leitores / expectadores, em cada ato de leitura / escuta, uma experiência enquanto devir ler/escutar-agenciar-narrar sobre o experienciar enquanto devir.

Exposição: Culturas Agrestes

Expositora: Juliana Michaello Macêdo Dias (UFAL)

Resumo: O trabalho propõe uma interlocução direta com o projeto de pesquisa em andamento, intitulado, “Culturas Agrestes: mapeamento das referências culturais do agreste alagoano”. Considerando que já existem esforços acadêmicos com o objetivo de mapear a cultura desse território, através de levantamento de documentação préexistente e produção de documentação através do registro em vídeo, áudio, fotografia e texto, passamos a discutir as possibilidades abertas ao compreender que o próprio sujeito “mapeado” - seja indivíduo, comunidade, escola, grupo, etnia - assuma a condição de “mapeador”, no sentido de produzir seu autorretrato com suas devidas auto-representações. Através de base teórico-metodológica pós-estruturalista, propomos novas e complementares perspectivas conceituais sobre dificuldades epistemológicas que nos atravessam enquanto pesquisadores, abrindo espaço para questionamentos, desterritorializações, enfrentamento e trocas com o que não nos permitimos conceber como objeto: o “outro” - que produz a cultura local. Ao contrário de buscar uma suposta “verdade” nos discursos imagéticos produzidos em relação com os territórios e paisagens da memória coletiva, busca-se os entrelaçamentos de discursos, situados no entre dos múltiplos discursos que (se) constituem representações de “outridades”. Uma vez que o projeto em andamento enfatiza o processo de construção dos discursos auto-referenciados como parte da metodologia de produção de mapeamentos culturais, ele pode colaborar com uma reflexão metodológica ao Inventário Nacional de Referências Culturais proposto como metodologia hegemônica pelo IPHAN.

Exposição: Perimetral – um experimento com o jogo das metamorfoses

Expositora: Carolina Fonseca (UFG)

Resumo: No embate entre visibilidades, “técnicas de fazer crer”, memória, informação, paisagem e mais especificamente, imagem, cidades são instauradas e plasmadas como fatos e dados. As imagens-fatos e imagens-dados da cidade contemporânea detêm-se sobre a espessa ortodoxia teológica do real e, incidem sobre a produção urbana por efeito de blindagem e mitificação. A ambiguidade, ao rejeitar a
“pura felicidade da imagem”, focaliza as oscilações das posições do autor, tempo, espaço, sujeito e objeto; o que se olha e aquele/ aquilo que é olhado. A atenção neste caso é direcionada ao “jogo das metamorfoses” (ibidem), compreendido pelas tensões entre visibilidades e invisibilidades e não pelo objeto e sujeito em si, tal como entes estáticos disponíveis à observação/ representação. É por aqui, perscrutando ao lado de Foucault as minúcias da obra “As meninas” ou “O auto-retrato de Velázquez”, que problematizamos o estatuto da imagem no âmbito dos estudos urbanos contemporâneos. Desta conspiração conceitual formulamos um experimentoinvestigação, que pretende constituir-se enquanto processo compositivo, numa tensão insistente entre ação e paisagem, processo e margem. Tal experimento-investigação é disparado a partir da Perimetral, um eixo rodoviário da cidade de Goiânia, em que se entrelaçam distensões entre paisagem e memória, um espaço-tempo subjetivado pelas múltiplas passagens entre operâncias e inoperâncias, útil e inútil. Paisagem ambígua, perpassada pelo sentido de progresso como acesso ao futuro e perfurada pela temporalidade do passado como decadência e abandono.

Publicado
2019-05-22
Seção
Sessão Livre