SL35 Múltiplas escalas na produção da cidade e a natureza

  • Thereza Christina Couto Carvalho
  • Eunice Abascal
  • Angelica Benatti Alvim
  • Janaína Fernandes
  • Alex Lamounier
  • Adriana Soares de Schueler
  • Filipe Vieira Fernandes dos Santos
  • Sylvia Meimaridou Rola
  • Neilton Fidelis da Silva

Resumo

SL-35. Múltiplas escalas na produção da cidade e a natureza

Coordenadora: Thereza Christina Couto Carvalho (UFF)

Resumo:

Esta proposta trata da cidade enquanto lugar de interseção de processos sociais distintos que têm origem em diferentes escalas espaciais seja esta globalizada, nacional, regional ou local. Alguns processos são globalizados e só podem ser entendidos a partir dessa perspectiva. Outros sinalizam outras escalas e correspondentes alçadas decisórias - a abrangência territorial da sua recorrência define a sua escala espacial. Com esse entendimento, a singularidade de um processo indica o local como o seu âmbito definidor e, nesta condição, revela entrelaçamentos com atributos em múltiplas dimensões urbanas (social, econômica, cultural e institucional) e da natureza, impregnados na sua morfologia e na sua paisagem.

Ao mesmo tempo, entende-se a cidade, também, como lugar de acumulação de temporalidades distintas com freqüência visíveis nas formas urbanas das quais revelam, quando adequadamente percebidos, propósitos que marcaram a sua gênese bem como os significados conquistados com a sua permanência.

Esta Sessão Livre propõe-se a discutir a configuração da cidade, com destaque para a participação dos instrumentos de intervenção projeto e plano, `a luz de múltiplas escalas espaciais e temporais aqui entendidas como impactantes e, nessa qualidade, definidoras da sua morfologia urbana e natural. Sinalizam processos sociais cujas respectivas abrangências e alçadas de poder e decisão marcaram igualmente a sua materialidade.

Com base nessa percepção, as escalas de tempo que esta proposta contempla começam pelo cotidiano – dos acontecimentos imediatos que se materializam nas formas urbanas nas quais nos reconhecemos, cujas alterações nos impactam e são por nós facilmente percebidas. O entendimento do seu significado exige, contudo, que aqueles fatos imediatos sejam vistos à luz de outras escalas de tempo, de mais longa duração, que sinalizam a conjuntura em que as decisões daquelas transformações vividas foram tomadas.

Da mesma forma, as mencionadas escalas temporais cujas durações, breve ou longa, definem distintos períodos ou eras, só podem ser corretamente entendidas quando relacionadas com os contextos espaciais, e respectivas escalas, em que foram gerados. A acumulação de camadas de tempo - percebida nas formas urbanas associadas a processos sociais cuja permanência as preserva e lhes atribui significado - se dá em determinados espaços e não em outros.

Por conseguinte, o entendimento da cidade enquanto lugar, onde os processos sociais se cruzam, e as formas urbanas que lhes dão visibilidade, sinalizam, por sua vez, distintas temporalidades cuja acumulação e permanência, onde e quando ocorrem, entendidas `a luz de outras escalas temporais, indicam significados e valores social e culturalmente reconhecidos que remetem aos contextos espaciais onde aqueles foram gerados e com os quais se entrelaçam enquanto indutores, igualmente significativos, da forma urbana. É o que Maurício Abreu chamou de fechamento do ciclo.

A cidade, assim entendida, abriga passados e futuros associados às projeções do imaginário de indivíduos e grupamentos coletivos de uma dada sociedade – sempre grávida de múltiplos futuros desejáveis. O urbano adquire, nesse contexto, relevância ainda maior, como o lugar de expectativas sociais e políticas concentradas, e de maior potencial de geração da modernidade.

Alguns aspectos relativos aos contexto espaciais e conjunturas temporais.

As elevadas taxas de crescimento populacional, superando a capacidade dos meios públicos de prover os serviços essenciais de habitação e infra-estrutura básica, e da economia de gerar empregos formais, o conseqüente crescimento acelerado dos níveis de carências de toda ordem, da poluição, da degradação ambiental enfim, respondem pela percepção, freqüentemente negativa e enviesada, da cidade em distintos contextos territoriais.

A redução das desigualdades sócio-espaciais defronta-se, em nosso País, com o desafio da conquista da “cidadania urbana”. Verifica-se hoje um "déficit de cidadania urbana" devido à incongruência histórica que caracteriza o desenvolvimento brasileiro, desde enquanto espelho de tendências internacionais passageiras. A fragmentação do tecido urbano de grande parte das cidades brasileiras decorreria dessa tendência.

Um dos objetivos, com essa proposta de Sessão livre, é trazer ao debate a busca da coerência entre políticas setoriais em diferentes escalas espaciais e temporais. Um dos propósitos será contribuir ao debate sobre a acumulação dos processos de segregação e sobre a promoção das condições necessárias de provisão dos produtos e serviços urbanos essenciais, na quantidade suficiente, qualidade adequada e acessibilidade física, econômica e social condizente com as características de cada cidade. O atingimento dessa condição, no entanto, poderá exigir, para a sua viabilização econômica, financeira, social e ambiental, algumas mudanças significativas no que tange `as escalas espaciais reconhecidas nos atuais processos de gestão territorial.

O tema da qualificação do solo urbano, aqui entendido como aquele dotado de infra estrutura social e econômica, com redes de provisão de serviços de saneamento, transporte, educação e saúde, espaços públicos de convivência e de habitação popular, ainda é, freqüentemente, tratado de forma setorial, como coleção de intervenções pontuais sem articulação entre si. Como ‘produtos’, acabados ou em transição, cuja produção envolve um determinado número de recursos e de agentes de financiamento, construção, comercialização e distribuição, cada um exerce suas prerrogativas de prioridades em distintos contextos territoriais, em tempos distintos por vezes incompatíveis, sem diálogos entre si.

As relações entre essas intervenções ‘pontuais’ e a qualidade da estrutura urbana da cidade onde estão inseridas são dificilmente consideradas. O momento atual em duas das maiores cidades do Pais, abriga fatos, intervenções potencialmente indutores de significativas mudanças nas ‘cores’ desse contexto. Esta Sessão Livre propõe-se a explorar algumas dessas mudanças e alimentar o debate sobre conseqüências possíveis.

As comunicações que integram esta proposta de Sessão Livre tratam das múltiplas escalas espaciais e temporais na produção da cidade sob distintas perspectivas. O tema do projeto urbano no âmbito da figura da Operação Urbana Consorciada, articulando intervenções públicas e privadas é visto, nesta Sessão, na perspectiva das distintas escalas espaciais que pautam plano e projeto e que se materializam na escala do bairro ao mesmo tempo que impactam significativamente a escala da metrópole. Os antecedentes franceses do referido instrumento são examinados, por Abascal e Alvim, além de experiências brasileiras da sua aplicação como contribuição ao debate sobre o escopo e possibilidades de transformação da cidade indicadas no último Plano Diretor Estratégico de São Paulo.

O tema da produção da cidade não pode ser compreendido dentro de uma lógica linear que analise as partes separadas, sem buscar relações dinâmicas entre elas. Seguindo essa idéia, Fernandes argumenta que cidades são sistemas vivos e têm sua estrutura em permanente alteração. Nessa condição, repetir ou reproduzir experiências por meio de mecanismos de planejamento pode gerar resultantes diferentes, pois as condicionantes que levam cada cidade a adotar determinados modelos de planificação são específicas e se comportam de forma diferente em contextos diversos.

A terceira comunicação busca responder à questão da agregação temporal cumulativa nas intervenções urbanas contemporâneas – como incorporar pré-existências aos projetos urbanos que articulam múltiplas escalas espaciais. Trata do planejamento espacial policêntrico como estratégia de agregração de múltiplas temporalidades na elaboração de planos diretores contemporâneos. Discute a idéía do policentrismo como modelo espacial de cidade sustentável. O planejamento espacial policêntrico entende a cidade enquanto lugar, onde os processos sociais se cruzam, onde as formas urbanas que lhes dão visibilidade sinalizam, por sua vez, distintas temporalidades cuja acumulação e permanência, onde e quando ocorrem, entendidas à luz de outras escalas temporais, indicam processos sociais vitais cujos significados e valores reconhecidos por distintos grupamentos sociais remetem aos contextos espaciais onde aqueles foram gerados. Esta comunicação leva ao debate essa perspectiva a partir de dois exemplos que ilustram a sua prática.

A relação entre a cidade e a natureza é tratada, nesta Sessão, com foco na qualidade das águas dos rios urbanos. A água, dentre os recursos naturais essenciais `a vida, é a que hoje apresenta maior vulnerabilidade e baixo poder de resiliência frente às pressões antrópicas e as mudanças climáticas. Enquanto seu consumo cresce, o volume de água própria para este consumo diminui, frente a perda de qualidade por descarte dos mais variados tipos de resíduos. Schueller e Vieira comparam o impacto de resíduos de diferentes naturezas sobre cursos d’água que atravessam duas cidades. A última comunicação traz o tema da vulnerabilidade das cidades e a possibilidade de mitigação dos impactos gerados pelo stress hídrico, causado pela falta ou pelo excesso, através da adaptação dos ambientes rural e urbano pela técnica comum da captação, retenção e reuso das águas pluviais. Rola e Fidelis abordam realidades muito dispares mas que sofrem igualmente com os efeitos das mudanças climáticas e alinhavam os resultados em ambientes mais resilientes.

Exposição: Projetos urbanos em suas múltiplas escalas: uma discussão sobre as Operações urbanas em São Paulo e a influência da matriz francesa

Expositores: Eunice Abascal (Mackenzie), Angelica Benatti Alvim (Mackenzie)

Resumo: Projetos urbanos são iniciativas que se pautam na interação de múltiplas escalas e revelam o espaço como duração e valor onde atuam diversas atividades simultâneas. Trata-se de uma iniciativa que abrange a escala do bairro mas atua contexto da metrópole. No Brasil, a Operação Urbana Consorciada, instrumento definido pelo Estatuto da Cidade e indicada no Plano Diretor Municipal, tem como princípio a implementação de um projeto urbano advindo de articulação públicoprivada, partindo de um sistema integrado de ações e intervenções em diversos níveis que deveriam articular plano e projeto urbano. O instrumento tem origem na experiência francesa, particularmente no instrumento ZAC - Zone d’ Amenagement Concerteé, que compreende um processo de planejamento regulado por autoridade pública para desenvolver uma localidade no âmbito da escala da metrópole. Ambas as iniciativas pressupõem atrair o desenvolvimento econômico e requalificar áreas-alvo, com perspectivas de inclusão social. Este artigo, a partir de um quadro conceitual sobre projetos urbanos, busca discutir a aplicação do instrumento das operações urbanas no Brasil em suas múltiplas escalas, abordando os casos das Operações Urbanas Água Branca e Água Espraiada (São Paulo) e suas interfaces com a ZAC Paris Rive Gauche. As escolhas empíricas servirão como meio para fundamentar a análise da concepção e implementação de planos-projetos e contribuir para reflexão sobre o escopo e possibilidades de transformação da cidade indicadas no Plano Diretor Estratégico de São Paulo de 2014.

Exposição: Autopoiese urbana

Expositora: Janaína Fernandes (FGV; UFF)

Resumo: Processos sociais de produção da cidade são influenciados pelas alterações estruturais provocadas pela globalização. A gestão das cidades, assim como a construção do cotidiano de seus cidadãos, capazes de responder `as novas formas produtivas tornam-se, nessas circunstâncias, maiores desafios. Cidades são sistemas vivos e têm sua estrutura em permanente alteração. Repetir ou reproduzir experiências por meio de mecanismos de planejamento pode gerar resultantes diferentes, pois as condicionantes de cada cidade são específicas e se comportam de forma diferente em contextos diversos. O conceito da Autopoiese ajuda a entender este fenômeno. Segundo Mariotti (1999), os seres vivos possuem uma estrutura que compõe sistema interconectado - interagem sem mudar sua organização. Num sistema vivo, como uma cidade, a estrutura muda o tempo todo se adaptando às transformações contínuas do ambiente. A desarticulação causaria a morte dos seres vivos - são as sucessivas mudanças que fazem este sistema viver. Poiesis, em grego, significa produção. Autopoiese quer dizer autoprodução e segundo o mesmo autor: “... o termo "autopoiese" traduz o que chamou de "centro da dinâmica constitutiva dos seres vivos". Para exercê-la de modo autônomo, eles precisam recorrer a recursos do meio ambiente. Em outros termos, são ao mesmo tempo autônomos e dependentes“ e não podem ser compreendidos dentro de uma lógica linear que analise as partes separadas, sem buscar relações dinâmicas entre elas. As cidades apresentam estruturas onde autopoiese melhor se traduz. Esta comunicação examina a gestão municipal a partir da perspectiva da autopoiese.

Exposição: Planos diretores e múltiplas escalas espaciais e temporais na produção da cidade

Expositores: Thereza Christina Couto Carvalho (UFF), Alex Lamounier (UFF)

Resumo: Esta comunicação trata da agregração de múltiplas temporalidades na elaboração de planos diretores contemporâneos. Discute-se a idéía do policentrismo como modelo espacial de cidade sustentável, defendida por alguns autores, em contraposição àqueles que argumentam pela concentração em núcleos urbanos específicos sem, necessariamente, definição aceitável dos limites de adensamento. O policentrismo é aqui entendido como atributo da forma urbana, caracterizando o tecido formado por centros de diferentes hierarquias, onde temporalidades acumuladas revelam variados processos sociais percebidos a partir das perspectivas de distintas escalas espaciais articulados em rede. Diferentes ritmos de mudanças de expansão, contração, alternadas, impregnam a forma urbana e apontam para distintos futuros. Uma centralidade não é definida por projeto. Pode ser planejada mas não desenhada porque a forma urbana não é suficiente para produzi-la. É constituida de atributos singulares que atraem iniciativas individuais cumulativas as quais, mantidas certas condições de continuidade, têm conseqüências coletivas - transformam o tecido e a textura urbanos em centralidades potenciais, consolidadas ou em expansão, com perspectivas de futuro. Assim, o planejamento espacial policêntrico entende a cidade enquanto lugar, onde os processos sociais se cruzam, onde as formas urbanas que lhes dão visibilidade sinalizam distintas temporalidades cuja acumulação e permanência entendidas `a luz de outras escalas temporais, indicam processos sociais vitais cujos significados e valores reconhecidos por distintos grupamentos sociais remetem aos contextos espaciais onde aqueles foram gerados. Esta comunicação leva ao debate essa perspectiva a partir de dois exemplos que ilustram a sua prática.

Exposição: A cidade e a natureza

Expositores: Adriana Soares de Schueler (UFRRJ), Filipe Vieira Fernandes dos Santos (UFRRJ)

Resumo: Historicamente, verificou-se um comodismo natural que possibilitou um contato íntimo, embora indesejável, entre as fontes de energia e os resíduos humanos, decorrendo, em consequência, um consumo de fontes de energia cada vez mais impuras, a ponto de se tornarem, num grau extremo, inadequadas à vida. Chamamos a ação da matéria rejeitada sobre as fontes de energia, de poluição do meio ambiente. Dentre os recursos naturais essenciais a vida, a água é a que hoje apresenta maior vulnerabilidade e baixo poder de resiliência frente às pressões antrópicas e as mudanças climáticas. Enquanto seu consumo cresce, o volume de água própria para este consumo diminui, frente a perda de qualidade por descarte dos mais variados tipos de resíduos. A maior parte das cidade brasileiras longe do litoral, nasceram nos vales dos rios. Entre outros benefícios, estes rios serviam, e ainda servem, para levar consigo toda espécie de resíduos produzidos, para longe dos habitantes. Foram desenvolvidos monitoramentos nos cursos fluviais que cortam duas cidades. Paracambi - RJ com 49.120 hab e Lorena-SP com 86.764 hab. As águas dos rios encontram-se com sua qualidade degradada por drenagens de esgoto sanitário e pluvial, resíduos sólidos, etc. Observou-se que ao passar pela região mais densa da cidade de Paracambi, o rio apresentou-se mais poluído do que a jusante de um aterro de lixo, o que mostra o peso relativo da contribuição urbana à sua poluição. Esta comunicação examina essas formas de poluição, agravadas pela dinâmica populacional, como contribuição ao debate sobre degradação ambiental e desenvolvimento sustentável.

Exposição: Águas pluviais e resiliência urbana

Expositores: Sylvia Meimaridou Rola (UFRJ), Neilton Fidelis da Silva (UFRJ)

Resumo: As Mudanças Climáticas Globais tem provocado nos recursos hídricos a intensificação de ocorrência de eventos extremos. Cenários para 2050 apresentados no 5º. Relatório do IPCC (REVI et all, 2014) destacam para o risco de agravamento da falta da água em regiões que hoje já apresentam sensibilidade à seca e ao excesso destas nas áreas de cheias. O uso direto de águas pluviais pode mitigar os impactos de eventos extremos de seca e enchente. A análise comparativa das técnicas de aproveitamento de águas pluviais em áreas rurais e urbanas permite diagnosticar tanto potencialidades de convivência com o semiárido, quanto alternativas para grandes centros urbanos mais resilientes. Aprofunda-se a questão em 2 estudos de caso. O primeiro se dá na região do Semiárido Brasileiro, cuja convivência recorrente com problemas de stress hídrico, possibilitou a implementação do Programa Governamental P1MC – Programa de 1 Milhão de Cisternas, que já conta com mais de 500 mil cisternas construídas (ASA, 2014), resultando na alteração da oferta de água às famílias da zona rural nordestina. O segundo ocorre em área urbana e discute o potencial para o desenvolvimento de técnicas de naturação de superfícies construídas (superfícies vegetadas) captando águas pluviais e superficiais estimulando tanto o aproveitamento em usos não-nobres, quanto o uso estratégico, pela sua retenção em reservatórios de retardo, mitigando a sobrecarga no sistema de drenagem urbana e colaborando com a redução de enchentes. Neste contexto, seja em meio urbano ou rural, a captação de águas pluviais se mostra alternativa indutora de ambientes mais resilientes.

Publicado
2019-05-21
Seção
Sessão Livre