SL31 Relações históricas entre a cidade e a saúde.

Projetos, leituras e materialidades.

  • Gisele P. Sanglard
  • Ana Albano Amora
  • Eliara Beck Souza
  • Eliara Beck Souza
  • Lucia Helena Pereira da Silva
  • Renato Gama-Rosa Costa
Palavras-chave: cidade e saúde

Resumo

SL-31. Relações históricas entre a cidade e a saúde. Projetos, leituras e materialidades.

Coordenadora: Gisele P. Sanglard (Fiocruz)

Resumo:

Partindo de dois eixos distintos, este painel procura discutir as relações historicamente construídas entre a saúde e a cidade. De um lado temos a construção de equipamentos de saúde e as propostas de leitura que podemos ter da cidade que os abrigava; e de outro, o impacto das políticas urbanísticas nestes equipamentos – tempos, respostas e soluções distintas. Interligando ambos os eixos a busca por uma cidade saudável.

O advento da República trouxe mudanças significativas na prestação de assistência à saúde. Com a implementação da Carta constitucional de 1891, os estados passaram a ser responsabilizados pelas ações de manutenção da ordem e de proteção à população, contrapondo-se, desse modo, à centralização do período monárquico. A primeira constituição republicana retirava um dispositivo da carta anterior no que se referia à obrigação do Estado no dever dos socorros públicos, desarticulando o sistema público de assistência à população oriundo do Império. A alteração no caráter da organização das competências no âmbito federal, estadual e municipal, de acordo com a redação da nova constituição, era sentida diretamente na questão da saúde pública, essencialmente na assistência hospitalar da cidade. A atuação da União no campo da saúde possuía, portanto, limites legais em função da Constituição de 1891. Assim, cabia às municipalidades a organização dos socorros públicos.

A materialização deste dispositivo constitucional não foi, contudo, imediata mesmo na capital Federal que teve seu primeiro hospital municipal de pronto-socorro aberto apenas em 1907 – o atual Hospital Municipal Souza Aguiar.

Embora a cidade do Rio de Janeiro tenha passado, posteriormente, por intervenções em prol de melhorias higiênicas e urbanas, como no episódio da destruição do cortiço Cabeça de Porco (1893), na gestão do prefeito Barata Ribeiro (1892-1893), na reforma urbana levada a cabo pelo prefeito Pereira Passos (1903-1906) e pelo arrasamento do morro do Castelo, na gestão do prefeito Carlos Sampaio (1920-1922), a estrutura da assistência hospitalar da capital pouco, ou nada, foi alterada pelo processo de reformas. Tais medidas visaram apenas as melhorias nas condições higiênicas, sanitárias e no embelezamento da cidade do Rio de Janeiro, e não no aumento de leitos para o atendimento geral da população. A Santa Casa da Misericórdia continuava como o principal hospital destinado ao atendimento aos desvalidos, embora contasse com a ajuda da Policlínica Geral do Rio de Janeiro (1881) e da Policlínica de Botafogo (1899), instituições filantrópicas que prestavam atendimento ambulatorial, clínico e cirúrgico aos indigentes. A prática liberal mantinha a estrutura herdada dos tempos coloniais sob a responsabilidade da Santa Casa. Nesse contexto, no que tange à saúde pública, o poder público só interviria em tempos de grande calamidade pública, como em casos de epidemias e fiscalização de portos.

É somente na passagem dos anos de 1910 para os anos de 1920 que a persuasão das ideias envolvendo saúde pública, saneamento e assistência hospitalar encontraram campo ressonante para agregar parcelas significativas dos setores das elites médicas, políticas e intelectuais para compartilhar dessas interpretações. Nesse momento surgem movimentos pautados na defesa do “saneamento dos sertões”, como a Liga Pró-Saneamento do Brasil (1918), e debates acerca do quadro deficitário do número de leitos hospitalares para a capital federal, promovidos por médicos e acadêmicos da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Enquanto, de um lado, Belisário Pena publicava, em 1918, Saneamento do Brasil, considerado como um manual do diagnóstico das condições médico-sanitárias e sociais do sertão; José de Mendonça, do outro, publicava seu artigo, pelo Correio da Manhã, sobre o diagnóstico das condições médico-hospitalares necessárias para a falta de assistência pública hospitalar e os poucos hospitais existentes.

A escolha do lugar de instalação de hospitais tanto pelos poderes públicos, quanto pela filantropia – característica do período – está diretamente vinculada ao público a ser atendido e ao acesso à instituição. Tais parâmetros fizeram com que a freguesia de São Cristóvão fosse escolhida para acolher a Policlínica de Crianças Pobres da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro (1909); e o prédio do antigo Asilo de Mendicidade fosse transformado em hospital – o Hospital São Francisco de Assis (1922), o primeiro hospital voltado às “nosologias habituais” aberto na cidade. Facilidade de acesso e a presença de habitações populares foram fatores importantes para a instalação destes hospitais.

Por outro lado, a instalação do Hospital Gaffrée e Guinle na rua Mariz e Barros aponta para as transformações do bairro da Tijuca que deixa de ser eminentemente de chácaras para abrigar tanto uma classe média urbana, quanto camadas populares – na fronteira com o que hoje denominamos de Praça da Bandeira. Neste caso específico, para facilitar a circulação e melhorar o acesso o rio dos Trapicheiros que passava nos fundos da instituição foi canalizado e foi aberta uma rua, a rua dos Trapicheiros. A urbanização da região, trazida pela instalação do hospital impactou no projeto arquitetônico que foi redesenhado, ganhando uma fachada posterior, afim de possibilitar outro acesso. Outro exemplo é a discussão que cerca a criação do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro na década de 1920. A região do Mangue, onde já havia o Hospital São Francisco de Assis foi defendida por alguns médicos que queriam transforma-la em um quadrilátero da saúde.

Outros defenderam a região da Mangueira, aproveitando o espaço do antigo Prado Fluminense que havia se mudado para a Gávea. A defesa desta localização advogava o fácil acesso ao hospital pelas estradas de ferro da Central do Brasil e Leopoldina; e os vários caminhos para o Centro e regiões suburbanas. E foi este o local vencedor, a despeito da não conclusão das obras, que se transformou, posteriormente, na favela do esqueleto.

Paralelamente à questão da abertura de hospitais na cidade, a preocupação com as epidemias que assolavam a capital Federal continuava na ordem do dia da preocupação dos poderes públicos. É com este intuito que foi lançado, em 1910, o projeto de Saneamento da Baixada Fluminense que objetiva, entre outras coisas o controle da malária e de verminoses, que colocavam em risco a capital Federal. Projeto ambicioso, que previa inclusive a criação de bairros industriais, ficou restrito apenas na abertura da Av. Brasil, anos mais tarde.

A abertura desta via permitiu a criação de outro ambicioso projeto: o da Cidade Universitária para a Universidade do Brasil (atual UFRJ), com seu Hospital Universitário e, posteriormente, a criação no Instituto de Puericultura.

Este é o quadro para a Capital Federal. Contudo, pouco se sabe do processo de interiorização da saúde no então estado do Rio de Janeiro, cuja capital, Niterói, sofria com as más condições de assistência. Seu único hospital datava do Império e já estava condenado. Nesse caso, a extrema proximidade com a Capital – imperial e republicana – fazia com que a baía de Guanabara fosse facilmente transponível. A primeira proposta para melhorar a situação da assistência hospitalar do Estado do Rio de Janeiro partiu do último presidente do Estado, Manuel de Mattos Duarte Silva, durante o seu mandato, entre 1927 e 1930: a transferência, em 1928, da gestão do pronto-socorro e do antigo Hospital São João Batista para a alçada estadual. Com essa medida, o governo daria início à unificação dos serviços, com a dotação de moderno regulamento sanitário e a construção de seis hospitais regionais, o primeiro dos quais seria construído em Niterói, no mesmo lugar do velho São João Batista. A abertura do Hospital Regional de Niterói viria a substituir o antigo São João Batista, cujos problemas eram recorrentes: a falta de leitos, as instalações inadequadas para a prática médica, e as más condições de conservação do imóvel.

A proposta de criação de Hospitais Regionais no antigo Estado do Rio de Janeiro está relacionada às diretrizes propostas para a Saúde Pública defendida pelo médico Carlos Chagas. Em 1918, Chagas defendia a construção de hospitais regionais em zonas de endemias intensas, visando tanto ao controle mais eficiente das moléstias como à melhora na assistência pública ou ao cuidado com o doente. No Estado do Rio de Janeiro, vizinho à capital Federal, os serviços hospitalares eram precários na época; e a malária e a ancilostomose eram um dos principais problemas sanitários enfrentados pelo Estado, principalmente por ambas as doenças afetarem os trabalhadores rurais. O golpe de 1930 encerraria este projeto sem que, nem mesmo, o Hospital Regional de Niterói tivesse saído do papel.

É neste cenário de transformações urbanas e políticas que convidamos a todos a discutirem os impactos dos projetos urbanísticos e de saúde tanto para a cidade do Rio de Janeiro, quanto na interiorização destas propostas. Dissociados e imbricados, estes projetos permitem refletirmos sobre a dinâmica da expansão urbana e da sociedade.

Exposição: Patrimônio da saúde na Cidade Universitária da UFRJ - uma arqueologia no tempo presente.

Expositora: Ana Albano Amora (UFRJ)

Resumo: Neste trabalho refletimos acerca do patrimônio da saúde existente na Cidade Universitária. A ilha do Fundão, como ficou conhecida, foi composta por aterro de oito ilhas e teve proposta urbanística moderna, com inicio da construção em 1949 e inaugurada em 1972. Este campus carrega a história dos espaços apropriados pelos aterros, que perderam suas características simbólicas próprias e insularidade. Constitui-se em uma cidade inserida dentro da cidade do Rio de Janeiro, com marcos urbanos visíveis desde as principais vias de acesso inaugurando essa nova realidade. O patrimônio da saúde do Fundão é composto pelo Asilo dos Inválidos da Pátria (1868) construído na ilha de Bom Jesus, local que já tinha tradição para abrigar doenças em isolamento; o Hospital Universitário (HUCFF) e o Instituto de Puericultura e Pediatria (IPPMG), projetados pelo arquiteto Jorge Machado Moreira no âmbito do E.T.U.B (Escritório Técnico da Cidade Universitária da Universidade do Brasil), órgão criado em 1944, contribuíram como símbolos urbanos edificados de novas formas de atendimento e da arquitetura moderna. Nosso interesse é observar fatos urbanos recentes que tiveram impacto sobre essas edificações e lugares, causando-lhes alterações na sua forma original, degradação de suas características, arruinamento e esquecimento de seu papel simbólico para a cidade do Rio de Janeiro. Identificamos, entre outras razões para a situação em que se encontram a pouca valorização dessas edificações e do contexto histórico da construção dessa arquitetura, acarretando perda significativa para a história da cidade e para esse acervo documental.

Exposição: Do Asilo de Mendicidade ao Hospital São Francisco de Assis: a cidade e a saúde (1876-1922)

Expositora: Eliara Beck Souza (UFRJ)

Resumo: O edifício situado na Avenida Presidente Vargas no bairro Cidade Nova na cidade do Rio de Janeiro, onde atualmente funciona o Instituto de Atenção à Saúde São Francisco de Assis da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HESFA-UFRJ), é o objeto desse estudo. Constituído por várias edificações, realizadas ao longo dos anos, possui um conjunto principal de partido arquitetônico radial com cinco pavilhões simétricos de dois pavimentos, dispostos em torno de um volume central e de um bloco de entrada. Esse conjunto, juntamente com dois pavilhões suplementares, foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 1983 por seu valor artístico e histórico. O primeiro atribuído por sua representatividade do tipo panóptico no Brasil e por sua remanescência como uma arquitetura oitocentista de maior vulto, construída no antigo Mangue de São Diogo. O segundo, conferido por seu valor histórico como parte da assistência pública em toda sua trajetória. Essa pesquisa objetiva, por meio de um estudo histórico-crítico, identificar os processos que caracterizam o edifício como um lugar de memória no recorte temporal entre 1876, início da construção do Asilo de Mendicidade, e 1922, adaptação para se tornar o Hospital São Francisco de Assis. São abordados tanto aspectos contextuais sobre a cidade e a saúde quanto aspectos institucionais, urbanos e arquitetônicos do objeto em si. Dessa forma, pretende-se entendê-lo como um lugar de memória, representativo da história da saúde, da arquitetura e da cidade, resgatando-lhe o valor e reconhecimento devidos.

Exposição: Hospital e Cidade: Nova Iguaçu, pensamento urbanístico e relações de poder (1930/1990)

Expositora: Lucia Helena Pereira da Silva (UFFRJ)

Resumo: Os hospitais da Posse e de Iguassu foram inaugurados em períodos diferentes. Vistos como hospitais de grande porte, o primeiro foi construído na década de 1930 e estava articulado ao momento áureo da citricultura, quando a cidade de Nova Iguassu vivia da exportação da laranja, era rural e tinha no DEPARTAMENTO das MUNICIPALIDADES seu principal interlocutor para pensar os problemas urbanos. O segundo, inaugurado nos anos de 1980, a cidade já estava consolidada como importante núcleo urbano da periferia da Região Metropolitana e era campo de ação da FUNDREM. Desta forma cada hospital representa uma forma de leitura da cidade e descortiná-la ajuda a entender como em cada momento a materialidade urbana era vista pelo Estado e pela própria sociedade local.

Exposição: O projeto de Saneamento da Baixada Fluminense (1910-1933)

Expositor: Renato Gama-Rosa Costa (Fiocruz)

Resumo: Este trabalho apresenta o projeto de Saneamento da Baixada Fluminense, iniciado em 1910, cuja conclusão parcial nos anos 1930 acabaria por estimular processos de invasão e de ocupação irregular de espaços ainda tidos como situados à margem da cidade do Rio de Janeiro. O projeto, cuja abrangência, grosso modo, compreenderia a área situada entre a Baía do Rio de Janeiro e a Serra dos Órgãos, seria uma grande operação cooperativa entre governo e iniciativa privada. Iniciado por uma firma alemã, o projeto sofreria alterações por conta da primeira guerra mundial e seria retomado parcialmente nos anos 1920 no âmbito da criação de um bairro industrial na região, até ser encampada pelo governo provisório de Getúlio Vargas. A proposta apresentava como justificativa, acabar com os mangues e brejos putrefatos que infestavam de malária e verminose a própria Capital da República, conforme relatos de época, transformando seus pântanos e áreas alagadas em terrenos secos, salubres e irrigáveis, além de permitir seu povoamento sistemático. Buscavase, dessa forma, evitar o processo de favelização que já se delineava como um “problema” para a cidade naquele momento. Mas, essa urbanização não se concretizou como o planejado, pois o projeto foi interrompido. A frustração na realização de tal projeto, aos quais que se somariam o do urbanista francês Alfred
Agache para a região (1930), do Aeroclube de Manguinhos (1936) e o da abertura da Avenida Brasil (1939-1954), tornaria a região carente de realizações e infraestruturas urbanas de qualidade, especialmente em relação a saneamento e habitações.

Publicado
2019-05-21
Seção
Sessão Livre