SL28 A crise urbana e os caminhos de construção de uma teoria crítica
Resumo
SL-28. A crise urbana e os caminhos de construção de uma teoria crítica
Coordenadora: Ana Fani Alessandri Carlos (USP)
Resumo:
Esta sessão pretende contribuir para o desvendamento da produção do espaço urbano na compreensão do mundo moderno diante dos problemas de uma época, na qual o espaço vem assumindo um protagonismo inédito. A reprodução da sociedade capitalista se realiza, hoje, através da reprodução do espaço urbano - que, como construção social, é condição imanente da produção humana, ao mesmo tempo em que é seu produto.
Em suas profundas metamorfoses, o espaço aponta para a realização do capitalismo no plano mundial contemporâneo como um momento da reprodução da sociedade saída da história da industrialização, a qual permitiu o desenvolvimento do mundo da mercadoria e com ele a generalização do valor de troca – a divisão do trabalho no seio da sociedade, o desenvolvimento das comunicações, a expansão da informação –, redefinindo as relações entre os lugares de realização da vida. A extensão do capitalismo no urbano, ele próprio tornado mercadoria, faz da produção do espaço um pressuposto, condição e produto da reprodução social em sua totalidade e, nesta direção, um elemento definidor dos conteúdos da prática sócio-espacial, o que modifica as relações espaço-tempo da vida social, redefinindo as contradições e produz novas.
Por outro lado a reprodução do espaço na atualidade se coloca no seio de um processo crítico que evoca, em seu limite, a impossibilidade da reprodução das relações sociais de produção o que tem levado a busca por novas estratégias para a efetivação da acumulação, sob a égide do capital financeiro. Isto porque o homem da quantidade e do crescimento chega aos limites de suas possibilidades, e com ele a ideologia do crescimento ilimitado.
Do ponto de vista teórico, o enfoque espacial localizado no movimento da produção social da realidade e da vida humana implica em desvendar seus processos constitutivos nas determinações específicas de cada época, o que envolve considerar a necessidade de superação do ponto de vista analítico que compreende o espaço como localização e a cidade espaço um quadro físico ou um ambiente natural deformado pela presença humana. O centro de nossa compreensão situa a noção de produção do espaço no centro da reflexão em seus desdobramentos teóricos.
Nesta perspectiva, a produção do espaço envolve vários níveis da realidade que se apresentam como momentos diferenciados da reprodução geral da sociedade; aquele da dominação política, das estratégias do capital objetivando sua reprodução continuada, e aquela das necessidades/desejos vinculados à realização da vida humana em sociedade. Estes níveis correspondem a uma prática socioespacial real que se revela produtora dos lugares, e que encerra em sua natureza um conteúdo social. Assim se condensa uma prática social que é e se realiza como espaco-temporal. Desse modo, a elaboração dos conceitos tem uma dimensão abstrata, mas indissociavelmente vinculados à práxis social. Em seu desdobramento, as noções de produção/reprodução revigoram a critica e permitiram compreender as contradições da produção do espaço (e da cidade como mercadoria), iluminando as lutas e a necessidade de uma critica a ação do Estado (e as políticas urbanas).
Essa produção espacial expressa, portanto, as contradições que estão na base da sociedade, e que, sob o capitalismo, traz determinações específicas no âmbito de uma lógica do desenvolvimento espacial desigual fundado na concentração da riqueza que hierarquiza e normatiza as relações sociais e as pessoas.
A ideia de que a reprodução do capital se realiza hoje através da produção do espaço, é uma tese apontada por Henri Lefebvre e desenvolvida por David Harvey em seu livro “O Novo Imperialismo” a partir da analise das transformações nas relações entre os Estados nacionais. Nossa tese é que, no momento atual, este processo encontra na produção do espaço metropolitano sua base de realização (Carlos, 2001). Uma reprodução que se realiza enquanto condição da reprodução do capital a partir de três elementos fundamentais: 1) a realização do capital financeiro através do setor imobiliário, que aponta uma “nova conquista do espaço” como momento de extensão do capitalismo e reproduz o espaço enquanto valor de troca, supondo sua intercambialidade (e com isto, a mercantilização realizando a propriedade privada do solo urbano); 2) a produção dos espaços de lazer destinados ao turismo onde o espaço entra no circuito comercial como uma mercadoria a ser vendida/consumida a partir de seus atributos particulares; 3) o desenvolvimento do comércio das drogas, isto é, o narcotráfico como uma forma de realização de uma nova atividade econômica que, com a peculiaridade de ser uma mercadoria ilegal, pressupõe estratégias diferenciadas, as quais exigem o prévio domínio de um espaço para que este comércio se realize. Esses três setores econômicos realizam-se, hoje, através da produção de um espaço apropriado a cada uma das novas atividades – neste sentido o espaço aparece enquanto condição de realização da reprodução ampliada do capital em sua totalidade, revelando a dimensão estratégica do espaço.
Deste modo, a produção do espaço aparece como possibilidade renovada de realização da reprodução social nos termos capitalistas, um processo que encontra seus limites e gera imensos conflitos. Esta reprodução – enquanto explosão da cidade/extensão do tecido urbano por meio da generalização da urbanização – revela a generalização da segregação (reproduzindo-se enquanto tal). Isto porque o movimento da reprodução da metrópole revela os conflitos e os limites desta reprodução no espaço – evidenciam sua dialética – e aponta as contradições do espaço.
Nossa reflexão aparece como tentativa de, a partir da Geografia ( mas numa perspectiva interdisciplinar), construir uma teoria urbana critica, atentando para os conteúdos, contradições e limites do processo de produção do urbano em direção à compreensão da realidade em sua totalidade contraditória. Entendida como um compromisso de analisar a realidade urbana em seu movimento contraditório e enfocar os conteúdos que explicitam a desigualdade vivida concretamente, essa crítica visa a construção de um projeto de “uma outra cidade”, isto é, uma outra sociedade urbana como destino do homem. Essa crítica traz, como consequência, a necessidade de uma reflexão que elucide nossa época, focando a análise na reprodução sócioespacial e revelando as contradições constitutivas do processo desigual da produção contemporânea do espaço, e que, ao potencializar o “negativo” desse processo, propõe um caminho profícuo para elucidar os conteúdos não revelados da luta pelo “direito à cidade”. Esta luta decorre da consciência da privação do urbano que está no fundamento das lutas pelo espaço, o que foi posto na realidade urbana brasileira com as manifestações de ruas que exigem a superação do entendimento da cidade enquanto quadro físico para considerá-la em seus conteúdos mais profundos: as contradições que sustentam a reprodução atual do urbano.
No momento atual a globalização econômica trouxe a concentração sem limites da riqueza, com a privatização dessa riqueza gerada pela sociedade. Em contrapartida, há uma crise da identidade, e sua realização no plano abstrato das mercadorias revela a vitória da abstração no mundo moderno, quando a história cessa de fornecer os referenciais. Envolto numa nuvem de imagens, preso pelas formas, enlaçado pelo discurso e submetido pela ideologia, o homem, hoje, compreende mal as suas relações com a sociedade, e ao invés de dominar as relações é dominado por elas, manipulado pelas forças econômicas e sociais. Todavia essa submissão traz aquilo que a nega: a necessidade de emancipação do homem dessa situação, exigindo a abolição de suas condições de exploração e opressão, o que emerge no fundamento dos movimentos sociais e das manifestações públicas. Estes sinalizam a consciência da extrema privação, uma leitura que não se fecha na esfera dos bens necessários à realização da vida, mas abre-se para a escala da realização dos desejos de um projeto fundado em um outro humanismo, que ultrapassa a esfera "do ter" e da busca desenfreada pela qualidade de vida.
Exposição: Estado e capital financeiro na produção do espaço urbano contemporâneo
Expositores: Daniel de Mello Sanfelici (UFF), Cesar Ricardo Simoni Santos (USP)
Resumo: Diferentemente do modelo americano, o último capítulo do enredo de dominação financeira da produção imobiliária no Brasil não se deu com a securitização hipotecária, mas na aproximação das grandes incorporadoras com o mercado de capitais via a realização dos IPOs. A história da dominância financeira da produção imobiliária no Brasil segue, assim, um caminho inverso àquele apresentado nos EUA, e o esgotamento do curto período em que durou a aparência de uma acumulação autossustentada baseada na relação direta entre o mercado de capitais e o segmento das grandes incorporadoras não ganhou sobrevida por meio da emissão de títulos de baixa qualidade, como os *subprime*, mas por meio da forte participação do fundo público na realização dos valores críticos que emergiram como subproduto necessário dessa relação. Assim, o Programa Minha Casa Minha Vida atuou para salvaguardar a poderosa fonte de rendimentos nascida com o estreitamento dos vínculos entre o mercado imobiliário e o segmento financeiro em dois registros temporais distintos. Primeiramente, mais como salvamento, o Programa realizou os investimentos especulativos e de efeito demonstrativo em regiões periféricas. Depois, passou a funcionar como um dispositivo garantidor dos rendimentos mínimos do segmento, o que fortaleceu os vínculos da produção imobiliária com o capital financeiro. Estrutura-se, assim, um mecanismo institucional de segregação urbana, mantendo nas regiões periféricas uma produção imobiliária para os chamados segmentos econômicos enquanto, nas regiões centrais, os empreendimentos de alto padrão se concretizam como resultado da articulação entre as grandes empresas de incorporação e o mercado de capitais.
Exposição: A produção e reprodução da metrópole como negócio e segregação
Expositora: Isabel Pinto Alvarez (USP)
Resumo: A ideia central do texto é a de que a cidade produzida enquanto negócio é produzida ao mesmo tempo como segregação. Os processos e conteúdos que fundamentam a produção da cidade capitalista, também fundamentam a segregação, uma vez que o sentido da produção e reprodução do espaço é, hegemonicamente, o de garantir a produção e circulação do valor. A propriedade privada da terra e o Estado, colocam-se como elementos fundamentais para o entendimento deste processo. Para melhor compreendê-lo, partimos da ideia de Harvey de que a propriedade da terra no capitalismo se realiza pela renda que é capaz de gerar e, neste sentido, ela pode ser entendida como um capital fictício. Assim, buscamos compreender a expansão urbana da cidade de São Paulo nos finais do século XIX, quando a propriedade imobiliária tornou-se o principal bem hipotecável, formando-se um mercado imobiliário e a expansão do crédito, ao mesmo tempo em que as normativas urbanísticas começavam a ser editadas, reforçando a segregação. No momento atual, de um capitalismo rentista e financeirizado, entendemos que a propriedade imobiliária se transformou num lastro da financeirização (especialmente na metrópole), o que coloca a reprodução do espaço no âmbito de uma lógica fictícia de valorização, erigindo-se lugares nos quais os investimentos públicos e privados vão se concentrar, produzindo-se centralidades sob a batuta do Estado, ao mesmo tempo em que para grande maioria da população restam as remoções e itinerância para as periferias cada vez mais distantes.
Exposição: Produção estratégica do espaço: transformação de lugares e os “novos produtos imobiliários”
Expositor: Rafael Faleiros de Padua (UFMT)
Resumo: Os espaços de desindustrialização mostram o movimento de passagem de lugares produzidos no processo de industrialização para lugares de expansão do mercado imobiliário. Estamos diante da produção de novas centralidades em lugares já constituídos da cidade, transformando a paisagem e a vida social desses lugares. A incorporação dos espaços de desindustrialização pelas atividades mais dinâmicas da economia produz transformações radicais nos lugares, valorizando o espaço e aprofundando a segregação sócio-espacial, pois destitui os moradores de seus lugares habituais de sociabilidade e mobiliza as classes empobrecidas para lugares distantes do centro. A vida proposta pelos novos equipamentos que se instalam nos lugares (condomínios verticais fechados e espaços de consumo voltados para classes com maior poder de consumo) se fecha à cidade, colocando a autossegregação como solução dos problemas urbanos (violência, trânsito, falta de espaços de lazer, de espaços verdes), naturalizando a segregação. Em um tecido urbano extremamente densificado o espaço se torna raridade, fazendo com que os empreendedores imobiliários aliados ao Estado configurem estratégias que incorporem novas regiões da cidade ao processo de valorização. São áreas da metrópole que sofrem um conjunto de ações que buscam torná-las produtivas do ponto de vista do capital. Os atributos da cidade como lugar de concentração das possibilidades da sociedade como um todo se vê reduzida, estilhaçada diante do avanço da cidade como negócio. As comunidades carentes que estão nos lugares sofrem violentas pressões, mas há resistências que trazem para nossa análise elementos concretos da cidade como o lugar de luta pela reprodução da vida.
Exposição: Nova produção das periferias da metrópole e reprodução do cotidiano
Expositor: Danilo Volochko (UFMT)
Resumo: Como entender as transformações das periferias brasileiras nos últimos anos? Quais são os novos conteúdos econômicos, políticos, socioespaciais e ideológicos que movem a reprodução dos espaços metropolitanos? Estas são algumas questões que orientam nossa reflexão sobre o urbano atual e que buscam trazer um caminho teórico-metodológico a ser exposto e debatido. Partimos do processo concreto do novo avanço capitalista em direção aos espaços menos valorizados nas periferias para a realização de uma nova produção habitacional que articula estratégias do setor imobiliário (empresas pequenas e grandes da construção), do setor financeiro (capitais bancários e acionários nacionais e mundiais) e do Estado (políticas urbanas) à produção de novos conteúdos da vida cotidiana. A valorização fundiária-imobiliária-financeira-estatista compõe novas valorizações do espaço e são importantes na reintegração de frações sociais a um novo cotidiano urbano, revelando novas desintegrações destas (e de outras frações sociais) da cidade, das centralidades e das positividades urbanas, reproduzindo, em novos patamares, a segregação socioespacial. A intensa produção de condomínios habitacionais nas periferias metropolitanas, no seio do Programa Minha Casa Minha Vida, produz novas contradições ao aprofundar a segregação e a periferização para diversas frações sociais, dando nova complexidade aos conflitos pela moradia. A valorização do espaço periférico tem socializado (dialeticamente) a conscientização do empobrecimento da vida urbana, produzindo possibilidades novas de luta pela moradia e pela cidade. As ocupações urbanas em terrenos das periferias, onde milhares de famílias se organizam a partir de movimentos como o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, podem atestar estas possibilidades.