SL27 Valor e renda imobiliária na cidade contemporânea:

uma articulação complexa

  • Nelson Baltrusis
  • Laila Nazem Mourad
  • Humberto Miranda
  • Eleonora Lisboa Mascia
  • Maria Floresia Pessoa de Souza e Silva
  • Glória Cecília dos Santos Figueiredo
Palavras-chave: valor e renda imobiliária, cidade contemporânea

Resumo

SL-27. Valor e renda imobiliária na cidade contemporânea: uma articulação complexa

Coordenador: Nelson Baltrusis (Universidade Católica de Salvador)

Resumo:

A renda imobiliária está associada com a ideia de remuneração pelo uso do espaço, obtida pelos agentes que detém o controle da sua propriedade ou da posse. Essa prática social participa de configurações extremamente desiguais da cidade contemporânea, onde joga peso decisivo uma valorização urbana diferencial e indutora de segregações e fragmentações. A expectativa da renda imobiliária gera uma retenção de imóveis, onde uma escassez é criada para especular sobre valores futuros. A renda imobiliária também opera em transações do presente, impactando a formação de preços dos imóveis e promovendo, com isso, uma restrição e seleção do acesso ao ambiente construído da cidade. Os campos da economia e dos estudos urbanos dão conta de uma importante tradição de trabalhos sobre esse tema, principalmente em torno da categoria renda da terra. No entanto, a realidade nos desafia a novas problematizações e reflexões, considerando a complexidade que marca os contextos urbanos atuais. Nesse sentido, a condição de proprietários fundiários, enquanto agentes que auferem renda imobiliária, não pode ser entendida como um papel social estático. O controle jurídico sobre a propriedade ou a posse de imóveis, que é fator constituinte para a formação desse tipo de renda, é uma condição cada vez mais circunstancial e contingente. Tal condição pode ser assumida, de modo mais detido ou em muito pouco tempo, por uma heterogeneidade de agentes, com perfis e interesses os mais diversos. Inclusive, pode-se sobrepor à qualificação de proprietário de um certo agente outros papéis sociais. Uma questão emergente deste debate refere-se a estratégias imobiliárias diferenciadas, tais como o processo de monetização fundiário e imobiliário e as relações estabelecidas entre o capital financeiro e o capital imobiliário. Esse aspecto pode indicar alguns termos da mundialização financeira, do modo como essa incide no Brasil. Assim, ao focalizarmos o bairro do Dois de Julho no Centro Antigo de Salvador, notamos uma relação mais complexa, que refaz as condições de acumulação do ativo de terra urbana a partir de um instrumento financeiro. Sendo assim, a utilização do imóvel transformado em um título, em ações ou lastro financeiro, serve à uma ação corporativa que utiliza o patrimônio histórico-cultural como fonte adicional de capital. Desse modo, se estruturam novas formas de apropriação das rendas imobiliárias. Já os processos de conversão de terra rural em urbana nos mostram uma dinâmica de transformações da divisão social do espaço e do trabalho, na qual é definida uma economia política do território fortemente orientada pelas frações do capital imobiliário e agrário. A partir dos casos de Limeira (SP) e Petrolina (PE) podem ser lidos alguns desses processos de conversão de terra rural em urbana. Neles se evidenciam redefinições de usos e ocupações do espaço a partir de sua instrumentalização, voltada para assegurar rentabilidades capitalistas cada vez maiores. Essa problemática é agravada pela insuficiência de uma intervenção estatal efetiva no mercado de terras, no sentido de se evitar a perda de recursos via valorização de terrenos. Tal insuficiência corrobora para uma intensificação do processo especulativo, reforçadora dos parâmetros seletivos de localização em detrimento do aspecto redistributivo instaurador de perspectivas do direito à cidade. A abordagem dos aspectos de valorização imobiliária a partir da aquisição de terra para provisão de habitação social permite uma aproximação dos seus impactos na configuração territorial. Nesse sentido, pode-se encontrar desdobramentos entre os critérios de definição estatal dos valores das glebas financiadas e a (re)estruturação dos mercados imobiliários. Tais nexos indicam complexos níveis de articulação com a política urbana municipal, que impacta e é impactada pelos programas habitacionais. Nesta abordagem, também é importante pensar em mudanças, tais como o protagonismo de movimentos sociais na produção habitacional, permitido por programas como o Minha Casa Minha Vida Entidades. Nesse caso, trata-se de interrogar sobre as condições de acesso e custo do componente da terra, bem como das implicações em termos de inserção territorial dos empreendimentos correlatos. Outra questão importante refere-se à generalização dos condomínios fechados, que carrega consigo a hegemonia de um ideário urbanístico corporativo, assentado na privatização do espaço e na acentuação da segregação, fragmentação e desigualdades socioespaciais. Um traço preocupante da generalização dessa concepção é o fato dela ser reafirmada tanto pela produção imobiliária privada quanto pela pública. Diante dessa conjuntura, a análise da produção dos condomínios fechados e de gated communities (GC), a partir das experiências de Las Vegas (USA), de Salvador e de Natal (Brasil), pode ajudar na compreensão da construção dos processos de valorização imobiliária que lhes são subjacentes. Numa escala internacional, parecenos importante colocar em discussão a experiência do Vale de Las Vegas nos Estados Unidos, que durante a primeira década deste século vivenciou com grande intensidade tanto um boom do mercado imobiliário, quanto a sua crise pós 2008. No caso brasileiro, Salvador e Natal são os terrenos onde se especificam desdobramentos de um aquecimento da produção imobiliária, viabilizada por uma grande destinação de financiamentos no âmbito da Política Nacional de Habitação vigente. Cada uma dessas experiências tem particularidades contextuais, mas, ao mesmo tempo, em todas elas converge a relevância da produção de grandes condomínios fechados e GC. Os atributos de tal produção são capazes de gerar uma valorização imobiliária diferenciada nesses espaços, interferindo na dinâmica dos preços das moradias e provocando impactos socioespaciais, que resultam em novos desafios ao seu planejamento e gestão urbana. Há ainda uma questão que queremos nos deter, que concerne à percepção de uma aceleração da realização de renda imobiliária, ativada e intensificada por uma grande disponibilidade de crédito no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, a partir de 2005. Esse fato parece ter efeito multiplicador das transferências imobiliárias onerosas, sendo que um mesmo imóvel pode contar com vários momentos de realização da renda em um decurso relativamente curto. Um aspecto emblemático desta questão é que a maior parte do crédito disponível tem sido destinado para a produção pelas empresas imobiliárias, sendo minoritário o financiamento dos usuários, sobretudo da demanda de habitação social. Tal desequilíbrio tem repercussões em termos de (re)configuração urbana e (re)estruturação fundiária. Aumenta-se o poder de decisão de localização, bem como de definição de usos e ocupações espaciais, pelos agentes que concentram os recursos advindos do crédito imobiliário.

Exposição: Landbank e as estratégias imobiliárias no Centro Antigo de Salvador

Expositor: Nelson Baltrusis (Universidade Católica de Salvador); Laila Nazem Mourad (UFBA)

Resumo: O processo de monetização fundiário e imobiliário e as relações estabelecidas entre o capital financeiro e o capital imobiliário, observados no Centro Antigo de Salvador, indicam a existência de uma relação mais complexa, que refaz as condições de acumulação do ativo de terra urbana. A partir do bairro Dois de Julho, buscamos entender como esse processo vem se constituindo e que movimentos têm sido gerados pelas ações corporativas apoiadas na Landbank, como estratégia de monetização dos terrenos. Nos empreendimentos privados apoiados pelo poder público evidencia-se a apropriação de parte do tecido urbano edificado, utilizando-se de mecanismos de desvalorização e revalorização dos atributos históricos. Há assim, um intenso processo de valorização especulativa, sem que haja reabilitação efetiva dos imóveis, que são mantidos desocupados. Desse modo, a integração social é inviabilizada, seja pela promoção da expulsão de segmentos vulneráveis da população, seja pela produção de imóveis vazios ancorada numa lógica de monetização. A estratégia de monetização dos terrenos, de utilização do imóvel transformado em um título – ou seja, em ações, ou ainda em lastro financeiro – se distancia completamente do cuidado que se deve ter com um tecido urbano de valor histórico e cultural. A ação corporativa, constatada no bairro Dois de Julho, utiliza o patrimônio histórico-cultural como fonte adicional de capital. Essa questão parece-nos central, pois estrutura uma nova forma de apropriação das rendas imobiliárias, que, contraditoriamente, aniquila os atributos que conferem singularidade a esse espaço, além de não recuperá-lo e devolvê-lo para reapropriação pela cidade e pelos cidadãos.

Exposição: Terra rural/urbana: quanto vale ou é por metro quadrado?

Expositor: Humberto Miranda (UNICAMP)

Resumo: O processo de conversão de terra rural em urbana no Brasil é histórico. Esta apresentação discute a questão fundiária como um limite estrutural do desenvolvimento urbano brasileiro. Do ponto de vista econômico, a dinâmica é dada pela relação orgânica entre o capital produtivo (que alimenta as forças produtivas) e o capital mercantil (que alimenta a riqueza fácil). Daí ser complexa a separação entre o processo de produção e circulação do capital, ainda que este último praticamente defina uma economia urbana. O problema está no fato de que, sem nenhuma intervenção estatal efetiva no mercado de terras para evitar “vazamentos” de recursos via valorização de terrenos, há uma intensificação do processo especulativo reforçadora dos parâmetros restritos de localização em detrimento do aspecto redistributivo (direito à cidade). Isso tem desdobramentos problemáticos: no incremento da segregação socioespacial, gerando mais déficit habitacional; no preenchimento/produção de “vazios urbanos”, (des)estimulados pela especulação imobiliária; e na implementação/execução da política habitacional dependente do mercado de terra rural e urbana. Em todos os casos, o esforço de coordenação das ações da política pública urbana se dá com base em parâmetros privado-mercantis “estreitos”. Assim, o esforço do poder público, traduzido pela economia política do território, é fortemente orientada pelas frações do capital imobiliário e agrário. Portanto, a conversão de terra rural em urbana torna-se uma mera questão de troca rentável entre o hectare e o metro quadrado, indiferente à função social da propriedade. Os casos de Limeira (SP) e Petrolina (PE) ilustram a análise.

Exposição: O Componente Terra no Programa Minha Casa Minha Vida Entidades.

Expositora: Eleonora Lisboa Mascia (Caixa Econômica Federal)

Resumo: As bases da atual estrutura urbana brasileira remetem à segunda metade do Século XIX. A aprovação da Lei de Terras em 1850 determinou a comercialização das terras devolutas para empresas particulares, bem como para o estabelecimento de colônias nacionais e estrangeiras. A partir daí, a população, atraída pela oportunidade de trabalho, passou a se instalar e permanecer em áreas periféricas aos grandes centros, onde a falta de planejamento determinou a concentração habitacional sem condições de infraestrutura e oferta de serviços. Essa estrutura de ocupação territorial reflete os desajustes históricos e estruturais de formação da sociedade brasileira contemporânea, calcada em um Estado patrimonialista, com uma elite que detém o controle dos mecanismos de acesso à terra. Atualmente ocorrem algumas mudanças, com os movimentos sociais sendo protagonistas de uma política pública de habitação, transitando do papel de atores excluídos para o de agentes promotores. Assim, enfatiza-se o componente da terra no Programa Minha Casa Minha Vida Entidades, analisando-o a partir de três vertentes: 1) Acesso: avaliando como as entidades vêm acessando este componente nos projetos desenvolvidos, incluindo uma análise do fator custo sobre o valor global dos empreendimentos, assim como fazendo comparações com as dinâmicas estabelecidas neste campo na modalidade Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) do Programa; 2) Impactos: relacionando o custo e o acesso à terra ao tema da inserção urbana dos empreendimentos; 3) Visões do Futuro: onde se discutirão tanto alternativas nos procedimentos de acesso à terra, quanto da qualidade da inserção e das modalidades de regularização jurídica.

Exposição: Valores imobiliários diferenciados na produção dos condomínios fechados - aspectos das experiências de Las Vegas (USA), de Salvador e de Natal (Brasil)

Expositora: Maria Floresia Pessoa de Souza e Silva (Prefeitura Municipal de Natal)

Resumo: Os empreendimentos habitacionais conhecidos no Brasil por “condomínios fechados” fazem parte de uma tendência identificada em várias partes do mundo, que tem se proliferado rapidamente desde a década de 1980. Sua origem e expansão são comumente associadas à influência de um estilo de vida norte americano – american way of life, e à suas chamadas gated communities – CG; entretanto, a intensidade com que se apresentam em cada espaço se relaciona, também, à dinâmica urbana local. Este modelo de moradia é produzido a partir de um tripé que articula elementos arquitetônicos/urbanísticos, instrumentos jurídicos e uma estrutura de gestão privada, que se mostra atrativo tanto para a oferta (mercado imobiliário e governos locais), quanto para a demanda (ávidos compradores que almejam segurança, conforto ou status, associados à vantagens econômicas). Durante a primeira década deste século, o Vale de Las Vegas vivenciou com grande intensidade dois extremos: o boom do mercado imobiliário e a sua crise pós 2008. Neste processo ressalta-se a relevância da produção de grandes GC, sendo os atributos citados capazes de gerar uma valorização imobiliária diferenciada nesses espaços, interferirem na dinâmica dos preços das moradias e provocarem impactos socioespaciais, que resultaram em novos desafios ao planejamento e gestão urbana. A avaliação deste cenário é importante quando se observa que estes atributos estão sendo copiados e adaptados para a realidade brasileira, tanto nos empreendimentos para população de maior renda, quanto naqueles dirigidos para as classes de um a três salários mínimos, dentro do Programa Federal “Minha casa, minha vida”.

Exposição: Aceleração da realização da renda imobiliária e reestruturação fundiária pelo crédito: o caso de Salvador

Expositora: Glória Cecília dos Santos Figueiredo (UFBA)

Resumo: Desde Salvador, nosso ponto de partida é o entendimento de que o aumento do crédito imobiliário, intensificado a partir de 2005, no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, tem efeito ativador e multiplicador das transações de compra, venda, locação, cessão ou concessão de terrenos e de ambiente construído. Nota-se um processo de aceleração da realização da renda imobiliária. Um mesmo imóvel conta com vários momentos de realização dessa renda em um decurso relativamente curto. A maior parte do crédito disponível tem sido destinada para a produção pelas empresas imobiliárias, sendo minoritário o financiamento dos usuários, sobretudo da demanda de habitação de interesse social. Tal desequilíbrio tem repercussões em termos de reconfiguração urbana e reestruturação fundiária. Aumenta-se o poder de decisão de localização, bem como de definição de usos e ocupações espaciais, pelos agentes que concentram os recursos advindos do crédito imobiliário. A constituição da renda imobiliária está associada com a ideia de remuneração pelo uso do espaço, obtida pelos agentes que detém o controle da sua propriedade ou da posse. Sem desconsiderar esses aspectos constitutivos, nos parece importante lançar o olhar para o momento de realização dessa renda. A efetuação da renda imobiliária corresponde ao momento de transferência, plena ou parcial, de modo definitivo ou temporário, do domínio fundiário, feita, geralmente, de modo oneroso e monetarizado. Focalizar esse momento crucial possibilita uma aproximação das ações urbanas, agentes, condições e circunstâncias dessa prática social na atualidade. Essa orientação permite confirmar alguns aspectos consolidados, mas também lançar novas questões para o debate.

Publicado
2019-05-21
Seção
Sessão Livre