SL18 O ideário urbanístico internacional e as referências para a atuação dos primeiros urbanistas no Brasil (1900-1930)

  • José Geraldo Simões Junior
  • Joel Outtes
  • Thiago Mauer
  • Carlos Roberto Monteiro de Andrade
  • Candido Malta Campos
  • Adalberto da Silva Retto Junior
  • Inês Martina Lersch

Resumo

SL-18. O ideário urbanístico internacional e as referências para a atuação dos primeiros urbanistas no Brasil (1900-1930).

Coordenadores: José Geraldo Simões Junior (Mackenzie) e Joel Outtes (UFRGS)

Resumo:

O objetivo da presente sessão livre é a compreensão dos princípios dominantes no ideário internacional do urbanismo e a sua difusão e apropriação entre os urbanistas brasileiros e estrangeiros que atuaram em diversas cidades-capitais brasileiras entre 1900 e 1930.

O urbanismo moderno, cujas origens remontam ao ultimo quartel do século XIX, foi estabelecendo conceitos, modelos, critérios e uma metodologia para o diagnóstico e as proposições de intervenção nas cidades, dando forma a um ideário, que foi difundido e replicado em muitos países e contextos. Esse ideário, presente na obra de urbanistas pioneiros como Camillo Sitte, Raymond Unwin, Joseph Stübben, Eugène Hénart, Charles Buls, Charles Mulford Robinson, Patrick Geddes e muitos outros, foi divulgado internacionalmente através de livros e manuais, de congressos e exposições realizados por entidades profissionais (como o Royal Institute of British Architects ou a International Federation for Housing and Planning), de cursos de especialização fomentados por universidades (como as de Liverpool e de Berlim) e também através de periódicos especializados (como Town Planning Review e Der Städtebau).

No início do século XX, já havia algum material sobre o tema com repercussão internacional. Pode-se citar como relevantes: - o livro de Camillo Sitte (1889) e sua primeira tradução para o francês (1902), o manual de Joseph Stübben (1890), o de Reinhard Baumeister (1876), o livro de Ebenezer Howard (1902), o de Charles Buls (1894) e o de Charles Mulford Robinson (1902), Raymond Unwin (1909), Eugène Hénard, (1909), Werner Hegemann (1911) e Patrick Geddes, (1915).

O primeiro grande evento de divulgação urbanística é realizado em 1903, em Dresden, intitulado “Primeira Exposição Alemã de Cidades” (Ersten deutschen Städteausstelung zu Dresden), onde são apresentados 214 planos desenvolvidos pelas municipalidades alemãs, causando enorme impacto nos administradores públicos de outros países que visitaram o evento, pois perceberam aí uma clara metodologia para realizar o diagnóstico, elaborar planos e conceber instrumentos normativos para suas cidades. Uma metodologia e abordagem de cunho científico que não havia sido explicitada nos “Grands Travaux” realizados por Haussmann em Paris, até então considerado uma experiência urbanística referencial.

Após a exposição de Dresden, os congressos de urbanismo realizados na Europa passaram a se constituir na única oportunidade de aprendizado não-livresco sobre o assunto, favorecendo o debate e o intercâmbio de experiências entre os técnicos das administrações municipais, projetistas e acadêmicos da área do urbano.

Após esse evento de 1903, o outro encontro significativo é o VII International Congres of Archiects, realizado em Londres no ano de 1906, que conta com a presença de Charles Buls, Joseph Stübben e Raymond Unwin.

Quatro anos mais tarde, em 1910, essa mesma cidade sediaria um dos mais importantes eventos do período, a Town Planning Conference, que conseguiria reunir todos os mais importantes urbanístas da época, como Rudolf Eberstadt, Albrecht Brinckmann, Augustin Rey, Louis Bonnier, Thomas Mawson, Stanley Adshead, além de Stübben, Charles Robinson, Eugène Hénard, Patrick Geddes, Ramond Unwin e Ebenezer Howard. Neste evento esteve presente o urbanista Victor da Silva Freire, que em tournée pela Europa, visitou também as exposições de Bruxelas e Berlim. Neste mesmo ano de 1910, a Alemanha sediaria a importante Exposição Internacional de Urbanismo, em Berlim (Städtebau-Ausstelung in Berlin), onde foram apresentados os planos do concurso da Grande Berlim e também trabalhos elaborados para as cidades de Budapeste, Estocolmo, Munique, Colônia, Londres, Paris, Viena, Chicago e Boston. Este evento teve continuidade em 1912, com a Exposição Internacional de Düsseldorf (Städtebau-Ausstelung - Düsseldorf).

Por fim, o ano de 1913 viria marcar a realização de um dos últimos encontros significativos desse período. Coincidentemente, todos realizados na Bélgica e Holanda, dos quais o mais importante foi sem dúvida o Premier Congrès International et Exposition Comparée des Villes , onde estiveram presentes Joseph Stübben e Charles Buls. Este ano marca também a fundação da International Garden-Cities Association, a qual se tornará, com o declínio do movimento internacional de cidades jardins, a IFHP- International Federation for Housing and Town Planning (objeto de uma das apresentações desta sessão).

Esses fóruns possibilitaram não só a troca de experiências entre os administradores municipais das diversas cidades europeias como também abriu espaço para a internacionalização dessa cultura urbanística e, consequentemente, para o seu intercâmbio com outros continentes.

Além desses encontros, a difusão desse novo saber científico passou a contar, a partir do início do século, com os periódicos especializados. Estes vieram a se constituir no meio mais eficiente de divulgação desse debate sobre a cidade, não só para aquele público tradicional já frequentador desses congressos, mas sobretudo para os administradores públicos que estavam mais distantes desse contexto europeu (como era o caso dos brasileiros).

A primeira revista especializada na matéria do urbanismo e com repercussão internacional foi lançada em 1904, simultaneamente em Viena e Berlim e tinha o título de Der Städtebau (A Construção Urbana). Os seus organizadores eram Camillo Sitte (que faleceria um pouco antes do lançamento do primeiro número) e Theodor Goecke.

No mesmo ano, a Inglaterra lançaria a Garden Cities and Town- Planning, uma das principais divulgadoras dos projetos de cidade-jardim. Em 1908, teria início a Städdtebauliche Vortrage, editada em Berlim, e em 1910 a Town Planning Review, publicada pelo departamento de Civic Design da Universidade de Liverpool Em 1914, surge o Journal of the Town Planning Institute, e em 1919, a revista francesa La Vie Urbaine, editada por Marcel Poete.

No contexto norte-americano, pode-se citar os Proceedings of the National Conference of City-Planning (1910), a National Municipal Review (1912) e a The American City (1914).

Esse período anterior à 1ª Guerra Mundial é o momento então que é considerado por muitos autores como aquele em que se dá a gênese do urbanismo enquanto campo disciplinar específico do conhecimento, enquanto uma ciência. Coincidentemente, é o momento em que se processa o predomínio da influência germânica nesse cenário. A revista Der Städtebau, por exemplo, possui a sua melhor fase nessa época, desde a sua criação em 1904 até a primeira interrupção, em 1914.

A difusão deste conhecimento a partir de congressos, periódicos e publicações, criaria ressonâncias e transferências deste ideário para o contexto americano, sobretudo a partir da Exposição Colombiana de Chicago (1892) e das National Conferences of City-Planning (a partir de 1909). Na América do Sul este conhecimento seria divulgado também através de consultores europeus e norte-americanos como Bouvard, Agache, Forestier e muitos outros.

Muitos profissionais brasileiros que atuavam nas prefeituras, nos setores de urbanismo e obras públicas, participaram desses encontros internacionais, assim como tinham acesso às revistas e anais de congressos. Desta forma, assimilaram parte deste ideário, adaptando-os á realidade Brasileira, como foi o caso de Victor da Silva Freire, diretor de obras da cidade de São Paulo e professor da Escola Politécnica ou de Francisco Rodrigues Saturnino de Brito, urbanista e sanitarista que realizou projetos em mais de uma dezena de cidades brasileiras; ou dos profissionais que atuavam em Porto Alegre e que por afinidade cultural, tinham acesso às publicações em língua alemã e aos pioneiros trabalhos de urbanistas como Reinhard Baumeister, Rudolf Eberstadt e Cornelius Gurllitt.

O ideário internacional também esteve presente através da atuação de alguns urbanistas europeus de passagem pelo Brasil, como foi o caso de Barry Parker, responsável pelo projeto das primeiras cidades-jardins inglesas e que foi contratado pela Companhia City para projetar loteamentos em São Paulo, tendo permanecido nesta cidade por cerca de dois anos, ocasião em que participou ativamente dos debates sobre a modernização da legislação urbanística paulistana, em especial da nova lei dos arruamentos. Relevante também foi a presença do francês Donat-Alfred Agache, renomado urbanista francês que permaneceu por longos períodos no Brasil, tendo proposto projetos para o Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Curitiba e Vitória.

Esta sessão pretende, através de cinco exposições, apresentar pesquisas nesta temática que vem sendo realizadas por docentes de três universidades dos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul.

Exposição: Da cidade-jardim ao planejamento regional: A Geografia da International Federation for Housing and Planning (1913-1926)

Expositores: Joel Outtes (UFRGS), Thiago Mauer (UFRGS)

Resumo:

A pesquisa investiga o processo histórico e o desenvolvimento de novas formas de pensar a cidade e o território pela IFHP - International Federation for Housing and Planning – desde sua fundação em 1913 até 1926. A IFHP foi fundada como International Garden-Cities Association e mudou de nome várias vezes para se adaptar às novas necessidades da instituição e ao abandono do ideário cidade-jardim até o seu renascimento mais recentemente. O foco da IFHP mudou de cidades-jardins nos anos de 1910 para planejamento urbano e regional nos anos de 1920 (quando o nome da instituição se tornou International Federation for Town & Country Planning and Garden Cities em 1924, e International Federation for Housing and Town Planning em 1926), a reconstrução de
cidades devastadas pelas duas guerras mundiais, e habitação de forma geral do fim dos anos de 1920 até 1960, quando a instituição adquiriu seu nome atual. Tráfego começou a aparecer como tema em 1925 e reapareceu em 1962. O planejamento regional foi o tema mais importante do congresso de 1924 em Amsterdã, sendo também discutido no congresso de 1925 em New York e novamente no de 1926 em Viena, quando quatorze papers foram dedicados ao assunto, substituindo totalmente a temática das cidades-jardins.

Exposição: O desenho urbano de Barry Parker para a Cidade de São Paulo.

Expositores: Carlos Roberto Monteiro de Andrade (USP), José Geraldo Simões Junior (Mackenzie)

Resumo: Responsável pelos projetos dos primeiros bairros-jardins construídos na Cidade de São Paulo, trazendo para a Capital paulista um elemento urbanístico de modernização das cidades, ao mesmo tempo que desenhando um empreendimento imobiliário pioneiro, voltado para uma classe média emergente, o arquiteto inglês Richard Barry Parker (1867-1947) não apenas definiu um novo padrão urbanístico para áreas residenciais, conforme o tipo “garden suburb” que, junto com Raymond Unwin, realizara em Hampstead, e que passará a influenciar outros projetos similares, tanto na cidade de São Paulo, como em outras cidades brasileiras – rara aquela, sobretudo as médias, que não têm um bairro-jardim –, mas também fez um projeto para a cidade de São Paulo em sua totalidade e visando o controle de sua expansão. Em nossa exposição pretendemos destacar as concepções urbanísticas de Parker em seus projetos para a Capital paulista, tomando como ponto de partida sua leitura da cidade e de sua geografia, mas também os compromissos com uma empresa imobiliária que trazia para a cidade um novo padrão urbanístico residencial, envolvendo capitais significativos e interesses diversos. Serão analisados os loteamentos do Pacaembu e Jardim América, assim como as contribuições de Parker para o debate relacionado ao aprimoramento da legislação urbanística paulistana, que definiu os parâmetros da Lei dos Arruamentos de 1923.

Exposição: Alfred Agache e os aportes do urbanismo francês: Rio de Janeiro e São Paulo, 1927-1940

Expositor: Candido Malta Campos (Mackenzie)

Resumo: O arquiteto francês Donat-Alfred Agache (Tours, 1875 – Paris, 1959), egresso da École des Beaux-Arts, foi um dos principais representantes internacionais da escola francesa de urbanismo na primeira metade do século XX. Celebrizou-se pelo terceiro lugar no concurso de Camberra em 1911. Sua atuação, a partir dos anos 1920, concentrou-se no Brasil, onde foi contratado pelo prefeito Antonio Prado Junior, para elaborar ambicioso plano geral para a então capital federal do Rio de Janeiro (1927-1930); tendo atuado também em São Paulo na década de 1930 (projeto do bairro de Interlagos); em Porto Alegre, com o projeto do Parque Farroupilha que sediou a Exposição de 1935; como consultor das empresas de urbanização Viret e Marmorat e Coimbra Bueno; e em Curitiba, elaborando plano urbanístico para a cidade nos anos 1940; e ainda em Recife e Vitória. Participante ativo da Seção de Higiene Urbana e Rural do Musée Social em Paris, entidade de estudos reformistas criada em 1895, que abriu caminho ao debate urbanístico, e da Societé Française des Urbanistes – SFU, criada em 1911, levou, ao longo dos anos 1930, suas experiências para alimentar os debates profissionais e institucionais na França. Este trabalho, baseado em material recolhido junto ao acervo do antigo Musée Social (atual CEDIAS) e na revista Urbanisme entre 1932 e 1937, procura precisar o fluxo dos elementos do ideário urbanístico, no diálogo estabelecido por Agache entre os contextos brasileiro e francês, concentrando-se em suas passagens pelo Rio de Janeiro e São Paulo.

Exposição: O itinerário profissional do engenheiro português Victor da Silva Freire de Lisboa a São Paulo

Expositor: Adalberto da Silva Retto Junior (UNESP-Bauru)

Resumo: Para maior compreensão do debate urbano de São Paulo, no início do século XX, devemos nos apoiar em algumas ideias e práticas correntes que, de um lado, têm relação com o fenômeno de internacionalização do debate urbanístico típico do período 1880-1914, do outro, com a circulação de professionais brasileiros e estrangeiros (que vieram para o Brasil) e de suas atuações no território nacional. Ao seguir o itinerário profissional de Victor da Silva Freire Jr, nas escolas onde foi formado, em Congressos Internacionais de Urbanismo, congressos setoriais, exposições internacionais, nos Congrès de la Route, descortinou-se um grande fluxo de outros profissionais com perfis e atuações no território muito distintas, pondo em evidência momentos diferentes da expansão política estrangeira da França no Brasil. Destacam-se nesta pesquisa o papel formativo da Ecole des Ponts et Chaussées em vários engenheiros que atuaram no Brasil, as referências aos urbanistas do cenário internacional, e sobretudo os primeiros congressos internacionais de urbanismo realizados na Inglaterra e Bélgica, nos quais Freire participou.

Exposição: Der Städtebau e a presença do ideário urbanístico germânico em Porto Alegre (1896-1930)

Expositor: Inês Martina Lersch (UFRGS)

Resumo: Porto Alegre cultivou, a partir do início do século XX, uma cultura urbanística promovida, principalmente, pela presença de um governo forte e pelo desejo de progresso e modernização. A fundação da Escola de Engenharia em 1896, por sua vez, permitiu a formação de uma elite técnica e acadêmica e proporcionou, ao longo das três primeiras décadas de funcionamento, o debate sobre problemas urbanos e regionais. O objeto deste trabalho é parte integrante de uma pesquisa que busca identificar a presença pura ou híbrida do ideário germânico ao longo do processo de construção de um pensamento urbanístico na cidade de Porto Alegre, no período da República Velha. Para tanto, a pesquisa se dedica às ideias nascidas na Alemanha e na Áustria, em fins do século XIX e início do século XX, sobre a construção de cidades – cujo conceito é expresso pelo termo der Städtebau na língua alemã. Desta forma, discutem-se as contribuições de engenheiros que tiveram a sua formação no ambiente germânico, de modo particular, em Berlim. A presença deste ideário pode ser verificada através dos livros doados pelo Eng. Roberto Bruno de Escobar à Escola de Engenharia e pelos discursos do Eng. Benno Hofmann, por meio dos quais se observa a disseminação dos fundamentos do urbanismo germânico no sul do país.

Publicado
2019-05-20
Seção
Sessão Livre