SL15 Saturnino de Brito:

concepções e projetos na gênese do urbanismo moderno no Brasil

  • George Alexandre Ferreira Dantas
  • Carlos Roberto Monteiro de Andrade
  • Celia Ferraz de Souza
  • Fernando Diniz Moreira
Palavras-chave: Saturnino de Brito, urbanismo moderno

Resumo

SL-15. Saturnino de Brito: concepções e projetos na gênese do urbanismo moderno no Brasil

Coordenador: George Alexandre Ferreira Dantas (UFRN)

Resumo:

No sesquicentenário do nascimento do Eng. Saturnino de Brito (1864-1929), rever suas concepções e propostas, no campo do urbanismo nascente no Brasil da República Velha, vale não apenas como registro da atuação de um profissional que contribuiu decisivamente para a construção da cidade moderna brasileira, mas também como oportunidade para se reavaliar historiograficamente suas proposições, tendo em vista os inúmeros trabalhos já realizados sobre seu ideário e suas propostas.

Entretanto, não se trata aqui de fazermos um balanço – sem dúvida necessário – da historiografia sobre Brito, suas muitas concepções, realizações e ressonâncias, produzida nos últimos 20 anos. Nossa intenção com esta sessão livre é discutir a atualidade e as permanências de algumas de suas propostas mais expressivas, bem como de suas concepções urbanísticas. Assim, as exposições a serem feitas abordarão das concepções teóricas do urbanismo sanitarista de Brito a algumas de suas realizações que, como quase todas, marcaram as paisagens urbanas que ajudaram a construir ou modernizar com seus canais a céu aberto. São elas as cidades nordestinas de Recife (projeto de 1913) e de Natal e Campina Grande (projetos de meados dos anos 1930, já sob a coordenação do Escritório Saturnino de Brito), e também as treze cidades gaúchas para as quais projeta e constrói redes de saneamento que redefinem os traçados urbanos e reconfiguram as fisionomias das cidades existentes.

Nesse sentido, o Le tracé sanitaires des villes, publicado por Saturnino de Brito em 1916, na França (por ocasião do Congresso da Associação de Técnicos Municipais, órgão do qual o autor era membre d’hounner como representante do Brasil), pode ser tomado aqui como uma suma desse conhecimento que vinha se estruturando desde o final do século XIX. Antes de mais nada, porque o texto faz um apanhado e reflete sobre planos e obras já realizadas ou em andamento que serviriam como parâmetro para o próprio Brito e, principalmente, para seus pares profissionais. Dentre esses planos e obras, destacavam-se os de Santos e Recife, mas há também referências a Campos, Vitória (Novo Arrabalde) e Parahyba do Norte (atual João Pessoa). Em segundo lugar, porque exprime vários dos pressupostos teóricos que informam a leitura e a formulação de soluções, demonstrando que a formação do urbanismo sanitarista não significou uma mera continuação das leituras e ações higienistas, embora delas se aproprie claramente.

O enfrentamento da visão de caos e irregularidade das cidades brasileiras marcariam as reflexões e proposições projetuais de Brito. Fazer-se ao acaso revela as muitas leituras de Sitte mas, também, uma preocupação fundamental de Brito com a realidade das cidades brasileiras em que vinha atuando havia mais de duas décadas. Assim, por meio dos argumentos de Sitte, o engenheiro brasileiro propõe demonstrar que ‘l’irrégularité des plans des villes anciennes venait du sentiment artistique, mais que’on ne doit plus laisser au hasard l’extension des villes; au contraire, il faut en dresser à l’avance les plans d’ensemble”. Não seria o acaso, o capricho de um indivíduo ou uma conjunção de fatores fortuitos que levariam à beleza pitoresca da irregularidade de praças e ruas, mas, sim, e mesmo inconscientemente, o vínculo à tradição de cada época – que combinaria, com arte, o pitoresco natural, a grandeza das construções, o estilo e a disposição das massas.

Arte que poderia ser vista nos exemplos sitteanos que Brito incorpora a seu texto – as Piazze del Duomo em Ravenne e em Pádua, a catedral de Anvers e os pequenos largos e praças de Bruxelas. Arte que não se encontraria nos exemplos evocados das cidades “bien plus recentes qui se sont formées aux temps coloniaux du Brésil”. Os exemplos são retirados de Recife e Santos, cidades que conhecia bem por conta de sua longa estadia em ambas, conduzindo os trabalhos de planejamento e execução das redes de saneamento e de expansão urbana, com claro impacto sobre as estruturas já existentes.

Para Brito, o problema não estaria na irregularidade em si. Inclusive, quando o terreno fosse acidentado, com diferenças de nível expressivas, o traçado irregular, sinuoso ou que combinasse ortogonalidade e irregularidade era a melhor solução técnica – para implantação das redes de saneamento, dos sistemas de circulação etc. Esse é o cerne da crítica de Brito ao traçado de Belo Horizonte, e.g., para a qual evocaria Nelson Lewis: “La symétrie sur un plan et la symétrie sur le terrain sont choses très différents”.

Esse seria, a propósito, o fundamento para o delineamento da proposta para João Pessoa, em 1913: “(...) indico alguns melhoramentos para a cidade existente, alargando várias ruas destinadas a realizarem a fácil distribuição do trânsito; projeto ruas novas, sem a preocupação inconveniente, e hoje condenada, de alinhar ruas retas e longas, cortando-se em ângulos retos; procurei traças as ruas novas de modo a terem todas uma declividade favorável ao escoamento pluvial e à execução dos esgotos.” O imperativo era sanitário – que subordinaria as outras dimensões que deveriam ser consideradas na elaboração e execução de um plano geral para uma cidade, nova ou existente. Essa questão seria reiterada diversas vezes, quase como um leitmotiv dos engenheiros que trabalharam dentro da perspectiva do urbanismo sanitarista. Em texto sobre os melhoramentos do Rio de Janeiro, publicado em 1927, pouco antes do convite oficial ao arquiteto Alfred Agache, Brito voltaria mais uma vez a defender a necessidade de se trabalhar “o problema integral” das cidades sob o seu “duplo aspecto – o utilitário e o estético”.

Do mesmo modo, o Novo Arrabalde implicaria assim não apenas na construção material de um novo espaço, mas, sim, de uma sociabilidade diversa do “viver acanhado” da cidade tradicional. Essa formulação seria constante nos relatórios e projetos posteriores. Como formularia em seu Tracé Sanitaire, as cidades brasileiras ainda viviam na fase do fazer-se ao acaso, sem ou com pequena preocupação de “ordem” e de “progresso” – preocupações que implicavam plano (delineado sob o imperativo do traçado sanitário). Assim, o Le Tracé Sanitaire pode ser considerado como ponto de inflexão que nos ajuda a entender e discutir os caminhos que o urbanismo sanitarista seguiria nas décadas seguintes, seus limites, legitimidade e tentativas – e êxitos – de renovação na proposição de novos planos urbanos a partir dos anos 1930, com o Escritório Saturnino de Brito e já sem a tutela de seu fundador, falecido em 1929.

Exposição: Após Brito: projetos, obras e planejamento urbano na trajetória do Escritório Saturnino de Brito

Expositor: George Alexandre Ferreira Dantas (UFRN)

Resumo: A importância, impacto e circulação das proposições e estratégias do urbanismo sanitarista não se circunscreveu, como tem se discutido, aos marcos históricos da Primeira República. Diversos profissionais e escritórios que tiveram relação direta com Brito manteriam, em linhas fundamentais, a abordagem sanitarista para o desenvolvimento de diversos projetos para cidades brasileiras após-1930. Nesse sentido, o papel do Escritório Hidrotécnico Saturnino de Brito (ESB) teria papel fundamental. Fundado em 1920, para sistematizar os procedimentos administrativos e, assim, expandir as possibilidades de ação e contratação, montando um quadro técnico e administrativo centrado no Rio de Janeiro e com diversos prepostos nas cidades, ou mesmo governos estaduais (como aconteceu com o RN), para os quais desenvolvia projetos, o Escritório manteria o legado de Brito, principalmente pela direção do também engenheiro Francisco Saturnino de Brito Filho, atuando em praticamente uma centena de cidades no Brasil até a década de 1970. Esta comunicação pretende retomar as pesquisas sobre a atuação do ESB, focando o contexto de renovação e modernização urbanas dos anos 1930 para as cidades de Natal-RN e Campina Grande-PB. Para a cidade paraibana, retoma-se a ideia dos canais como elemento de articulação urbana. Para a capital potiguar, a construção de reservatórios-parque e as avenidas sobre os coletores gerais põem em novo patamar a relação entre saneamento e desenho urbano. Assim, ambos projetos desenvolvidos – inicialmente de saneamento, que logo se tornavam projetos urbanos gerais – teriam papel decisivo para o desenvolvimento de ambas cidades nas décadas seguintes.

Exposição: As concepções urbanísticas de Saturnino de Brito e seu diálogo com o urbanismo na Europa

Expositor: Carlos Roberto Monteiro de Andrade (USP) Resumo: Desenvolvendo e realizando projetos de saneamento para cerca de 40 cidades brasileiras ao longo da República Velha, o Eng. Saturnino de Brito embasava teoricamente suas propostas referenciando-as a concepções diversas do urbanismo nascente. De fato, antes mesmo do surgimento, em 1911, do neologismo urbanisme, Brito já propunha planos gerais para a ordenação e o crescimento das cidades nas quais realizava, ao mesmo tempo, um projeto de saneamento, construindo uma paisagem urbana moderna, funcional e pitoresca, salubre e bela. Se considerarmos seu plano para Vitória, elaborado em 1893, mas implantado apenas a partir de 1923, como seu primeiro plano urbanístico, é sobretudo em seu plano para Santos, de 1904, que suas concepções urbanísticas vão se firmar, anunciando e adiantando concepções de traçado das cidades que o urbanisme francês passará a empregar tão somente a partir de 1911. Em seu principal trabalho teórico em que explicita suas referências no campo do urbanismo, publicado em 1916 – o “Notes sur le tracé sanitaire des villes (technique sanitaire urbaine)” –, texto que envia ao “Congresso da Cidade Reconstruída”, realizado em Paris naquele ano, Brito indica os autores e profissionais cujas concepções analisaremos em nossa exposição, procurando explicitar os vínculos entre seus ideários. São eles: Sr. C. H. Regnard, secretário da Associação Geral dos Higienistas e Técnicos Municipais, Augustin Rey, Eugéne Hénard, Léon Jaussely, Camillo Sitte, Robert de Souza, dentre inúmeros outros.

Exposição: Saturnino de Brito e o Rio Grande do Sul

Expositora: Celia Ferraz de Souza (UFRGS)

Resumo: A primeira vez que o engenheiro Saturnino Brito veio ao Rio Grande do Sul foi em 1908, para estudar e elaborar projeto para a cidade de Rio Grande. Por essa ocasião ele afirmou que em um quadro de insalubridade geral no Brasil e especialmente no Rio Grande do Sul, ele destacava que Porto Alegre e Pelotas já estavam bem avançadas com seus planos de saneamento. Depois disso ele voltou, elaborando planos de saneamento e extensão urbana, para 13 cidades (Rio Grande, Pelotas, Santa Maria, Cachoeira, Jaguarão, São Leopoldo, Cruz Alta, Iraí, Uruguaiana, Alegrete, São Gabriel, Passo Fundo, Santana do Livramento). E acabou morrendo em Pelotas, no ano de 1929, em plena função de trabalho. Em nenhum outro Estado ele se envolveu com tantas cidades. O que se destaca então é a importância dele para a politica de urbanização no Rio Grande do Sul no início do século XX e, ao mesmo tempo, a importância deste Estado em sua vida. O objetivo dessa abordagem é trazer a contribuição de Brito, no contexto do urbanismo higienista, para o desenvolvimento urbano do Estado, avaliando essas cidades e sua influência no meio técnico, em especial da Secretaria de Obras Públicas do Estado, no período de 1909 a 1930.

Exposição: Saturnino de Brito e o Plano de Saneamento do Recife (1909-1915)

Expositor: Fernando Diniz Moreira (UFPE)

Resumo: Saturnino de Brito não foi apenas o maior engenheiro sanitário brasileiro, mas foi também uma figura central no processo de consolidação do urbanismo no Brasil. Este texto explicita os princípios urbanísticos deste engenheiro e a importância do plano que ele desenvolveu para o Recife para a cidade e para o conjunto de sua obra. Após explorar os princípios urbanísticos da obra de Brito. Logo após, é discutido o Plano de Saneamento do Recife, efetuado entre 1909 e 1915, seguida da uma análise do Plano de Melhoramentos, um plano mais amplo que abarcaria não só o
saneamento, mas traçaria diretrizes para a expansão da cidade de grande interesse urbanístico e paisagístico.

Publicado
2019-05-20
Seção
Sessão Livre