SL12 Grandes projetos de mineração, condições de vida e a questão hídrica na região do vale do Rio Doce

  • Ralfo Edmundo da Silva Matos
  • Patrício Aureliano Silva Carneiro
  • Miguel Fernandes Felippe
  • Ricardo Alexandrino Garcia
Palavras-chave: vale do Rio Doce, condições de vida

Resumo

SL-12. Grandes projetos de mineração, condições de vida e a questão hídrica na região do vale do Rio Doce

Coordenador: Ralfo Edmundo da Silva Matos (UFMG)

Resumo:

A região formada pela bacia do rio Doce em Minas Gerais compreende parte dos antigos Sertões do Leste e integra algumas cidades que se destacaram no século XIX com a expansão da cafeicultura. Na verdade, a despeito dos temores da Coroa de que a região do ouro fosse penetrada por potências marítimas da época, o desbravamento do vale do rio Doce iniciou-se ainda no Setecentos, embora tenha alcançado povoamento mais expressivo só nas proximidades de Vila Rica e Mariana. Nas cabeceiras dos rios Piranga surgiram nichos de produção agrícola e vilarejos capazes de produzir excedentes, condição geográfica que se somou a outras áreas sertanejas para prover de abastecimento alimentar à vasta rede de arraiais, cidades e caminhos do Ouro. A imensa superfície coberta pela Mata Atlântica foi paulatinamente desflorestada à medida que a área de fronteira da principal capitania portuguesa era ocupada, notadamente a partir da guerra aos índios promovida por d. João VI. Contudo, a extensão da floresta, a difícil trafegabilidade pelos caminhos acidentados e a navegabilidade limitada colaboraram com a preservação de grandes áreas de mata, razão pela qual a região ganhou a denominação de Zona da Mata desde fins do século XIX.

A cafeicultura foi sem dúvida o fator propulsor da ocupação mais efetiva da região no 2º Reinado. Com ela surgiram grandes fortunas e uma nova classe social que manteve as rédeas do poder em Minas por quase 100 anos, em face das ramificações que trouxe consigo na saga de expansão da rubiácea. Essa oligarquia participou da sustentação política do Império na maior parte do século, expandiu o trabalho escravo a níveis extraordinários, viabilizou o desenvolvimento de várias cidades e povoados, mas promoveu práticas de cultivo predatório fundadas na grande propriedade e na dilapidação de solos, matas e recursos hídricos. Sua decadência entretanto iniciou-se ainda no século XIX com a marcha do café rumo ao planalto paulista.

Nas primeiras décadas do século XX, a região foi mais atingida em decorrência dos esforços da elite mineira de instalar a siderurgia de médio porte na Zona Metalúrgica o que exigiu a construção da ferrovia Vitória-Minas, empreendimento que consumiu décadas e vultosos investimentos públicos e privados. A ferrovia contou com a existência de madeiras adequadas à confecção de dormentes, incentivou a implantação de dezenas de serrarias à medida que os trechos da estrada avançavam e deixou uma miríade de cidades e povoados em seu entorno. Durante algumas décadas, antes da implantação da CSN, ela prometia ser um dos corredores mais promissores do desenvolvimento do Estado, porque parecia reunir a conjunção alvissareira de investimentos na produção siderúrgica, exploração mineral e ferrovia, à semelhança do Vale do Ruhr, na Alemanha. Os desdobramentos posteriores resultantes do desenvolvimento econômico de Minas Gerais tornaram-se sem dúvida mais intersetoriais, mas ainda assim fortemente atrelados à mineração, e por isso mesmo a importância estratégica dessa ligação ferroviária acabou se ampliando.

Com a implantação e expansão da Belgo Mineira nos anos de 1920/30, a fundação da Cia. Vale do Rio Doce em 1942, instalação da Mannesmann em 1952 até culminar na operação da Usiminas nos anos de 1960, não só o setor de bens intermediários ganhou impulso decisivo, como forneceu as bases para a produção metal mecânica a partir do Governo JK. Gradativamente modernizava-se a ferrovia Vitória-Minas, enquanto a sub-bacia do rio Piracicaba e outras porções do vale do rio Doce tornavam-se essenciais à produção de carvão vegetal, minérios, gêneros agrícolas em meio a requerimentos exponenciais de uso da água que a siderurgia e mineração consumiam. Nas últimas décadas, não cessaram as incursões na região associadas à mineração, a ponto de trazer a público a discussão da questão mineral vis-à-vis o esgotamento de recursos hídricos de uso secular pelas comunidades ribeirinhas e cidades da orla dos maiores rios da região. Particularmente com os investimentos de Eike Batista no alto Santo Antônio e subsequente venda de seus ativos para a Anglo American, os impactos da extração de minério de ferro tornaram-se agudos e têm gerado apreensão e críticas diante da execução do maior duto de minério de ferro do mundo (com 529 Km de extensão), que recentemente começou a operar fazendo a conexão entre Conceição do Mato Dentro (na sub-bacia do Santo Antônio) ao porto do Açu no Rio de Janeiro. As primeiras remessas de minério de ferro para o exterior foram transportadas em 2014.

De todo o modo, a região sofreu e sofre os efeitos de grandes transformações em seu espaço produtivo com variados tipos de impacto que se abatem sobre áreas urbanas e rurais. São frequentes os problemas ambientais causados pelo excesso de chuvas em alguns anos de alta pluviosidade e, noutro extremo, dúvidas e apreensão social derivada da escassez de água para uso domestico na agricultura e em cidades e povoados de áreas atingidas pelo comprometimento de mananciais com o mineroduto. O saneamento básico aflora como problema em vários subespaços da bacia do Doce, particularmente nas áreas urbanas, geralmente sem a presença consolidada de práticas de planejamento urbano e regional.

Um dos objetivos centrais das análises aqui expostas diz respeito à avaliação das condições de salubridade nas áreas mais povoadas da região e averiguação da qualidade e dotação de água em pontos chaves das zonas críticas da bacia. A proximidade entre aspectos do meio ambiente, saneamento e infraestrutura de apoio, vis-à-vis as atividades minerárias serão escrutinadas por meio da produção de indicadores sintéticos e de uma cartografia temática analítica capazes de exprimir situações de vulnerabilidade nos municípios integrantes da bacia, com especial destaque para os com sedes urbanas mais populosas. O emprego de técnicas de geoprocessamento e cartografia digital buscará retratar a conjunção de indicadores de qualidade e disponibilidade hídrica com os indicadores domiciliares relativos à dotação e adequabilidade de serviços e infraestrutura de saneamento, na expectativa de apresentar um indicador social híbrido, capaz de apontar áreas críticas e de risco potencial na região.

Espera-se que os resultados, após sucessivos testes de validação e comparação com outros indicadores existentes, mostrem-se consistentes e tenham alcance para contribuir com o aprofundamento do debate e perspectivas de elaboração de políticas públicas mitigadoras no âmbito regional e/ou introduzir informação de qualidade capaz de chegar aos formadores de opinião dos municípios, e assim sendo, reorientar ações altamente danosas atualmente em curso, com reais possibilidades de provocar piora nas condições de vida de frações expressivas da população residente, especialmente em face da combinação perversa resultante da expansão da produção de riqueza mineral e agressão à salubridade básica e ao regime hidrológico de alguns afluentes da bacia do Doce.

Exposição: Quadro crítico socioambiental da região do Rio D

Expositor: Ralfo Edmundo da Silva Matos (UFMG)

Resumo: A síntese das condições de vida dos habitantes da região do Doce deve ser descrita de modo a apontar as áreas mais ou menos críticas do ponto de vista do comprometimento de recursos hídricos e de situações de vulnerabilidade evidente existentes nos polos urbanos de cada sub-bacia. Situações verificadas em campo relativas a danos a agricultura familiar em estruturas espaciais baseadas em pequenas
propriedades deverão ser explicitadas, com especial atenção aos impactos derivados de grandes projetos minerários. A utilização de mapas e recursos de cartografia digital, ao lado de dados tabulados que discriminem os resultados mais recentes associados a intervenções de grande vulto serão priorizados nessa parte da exposição ao lado da sistematização das questões mais relevantes por sub-bacia, a despeito dos subespaços do vale do rio Santo Antônio merecer tratamento especial. Características geo-históricas que tipificaram a região e que ainda estão vivas em áreas rurais e urbanas serão resgatadas, a exemplo das relativas aos contenciosos que protagonizam áreas quilombolas e remanescentes de aldeias indígenas. Essas heranças, provavelmente de presença residual, serão contrapostas às tendências atuais das frentes de uso e ocupação de terras de grande extensão fundiária para usos agrícola e não agrícola. A síntese geral das características sociais e econômicas da região serão parametrizadas com os resultados aferidos pelo indicador que irá combinar qualidade da água e salubridade nos municípios, com vistas à elaboração de um quadro resumo que indique áreas de condições socioambientais favoráveis e críticas aos milhares de residentes dessa grande espaço geográfico de Minas Gerais.

Exposição: Povoamento e formação territorial das “áreas proibidas” do leste de Minas

Expositor: Patrício Aureliano Silva Carneiro (EPCAR)

Resumo: Na literatura criou-se o dogma de que a ocupação do leste de Minas só ocorreu no decurso das primeiras décadas do século XIX, em decorrência da crise da mineração e da revogação da política metropolitana de isolamento das áreas não povoadas. Desde o século XVI, expedições sertanistas se dirigiram ao Vale do Rio Doce, desencadeadas pelas promessas de honras e mercês, pelos relatos indígenas da existência de riquezas no interior, pelo desenvolvimento da cartografia e pela abundância de mão-de-obra silvícola farta e barata no sertão. Trilhas indígenas, vias fluviais, gargantas de serras e picos se tornaram fundamentais na orientação do deslocamento. Com a descoberta e ocupação das minas, colonos e sertanistas passaram a se deslocar para o Vale do Rio Doce a fim de encontrar jazidas minerais, capturar índios e instalar atividades agropecuárias. Isso contribuiu para a abertura de caminhos e para a formação de pequenos núcleos de povoamento cujo desenvolvimento esteve marcado por avanços e retrocessos. Os conflitos na área foram muito frequentes, pois o domínio territorial desse espaço se apresentou sobreposto, disputado entre os colonos que expandiam as atividades mercantis e os índios que procuravam defender a posse das suas terras. A metrópole procurou resolver esse embate por meio da instalação de aldeamentos e divisões militares, visando com tal estratégia romper os entraves para o progresso da colonização. O projeto de redução da população nativa e de consolidação das atividades mercantis na área se arrastou ao longo do século XIX, em função da ampla resistência oferecida pelos indígenas.

Exposição: Dinâmica ambiental e a relação homem/água na bacia do Rio Doce

Expositor: Miguel Fernandes Felippe (UFJF)

Resumo: A bacia hidrográfica do rio Doce define uma área de dinâmica ambiental complexa. Nela, os diversos elementos geográficos se organizam em zonas heterogêneas de interação entre a sociedade e o meio físico. Ademais, a história de transformação do espaço na bacia, fortemente influenciada pelos rios, deixou heranças na paisagem como a alteração da cobertura vegetal e a poluição das águas. Interpretar essa complexidade e trazer como pano de fundo a configuração ambiental atual da bacia é um passo importante no entendimento dos severos problemas ambientais que afloram, com destaque para processos erosivos acelerados, escorregamentos de encosta e inundações. Os desafios que se postam direcionam o olhar para a água, que emerge como síntese de toda essa complexidade. Atualmente, a relação homem/água preconiza uma visão ainda dicotômica, utilitária e consumista. De um modo geral, a jusante dos principais centros urbanos, a qualidade das águas é severamente deteriorada, já nas proximidades das cabeceiras de drenagem, sobretudo aquelas com maior densidade de remanescentes florestais, a qualidade das águas é consideravelmente melhor. A espacialidade dessa realidade na bacia aponta algumas zonas críticas que necessitam de maior atenção. Nesse sentido destacam-se, por exemplo, a bacia do rio Caratinga, com os piores cenários de qualidade das águas, acompanhada pelas bacias dos rios Piracicaba e Matipó. Desses apontamentos iniciais, desdobram questionamentos acerca de um zoneamento da situação ambiental atual da bacia, apontando áreas de melhor e pior qualidade ambiental e orientando esforços no sentido de olhar o passado para entender os problemas atuais e prevenilos no futuro.

Exposição: Indicadores de salubridade urbana e rural da bacia do Rio Doce

Expositor: Ricardo Alexandrino Garcia (UFMG)

Resumo: A expansão de cidades sem nenhum tipo de planejamento estruturador e condições inadequadas de moradia em áreas rurais costuma resultar em situações de baixa qualidade de vida da população. De outra parte, são recorrentes os desastres ambientais e o incremento da demanda por serviços de saúde/saneamento básico: desde os referidos à sanitários nos domicílios até a infraestrutura de distribuição de água, tratamento de esgoto ou coleta de lixo. Destarte, o tema do saneamento ambiental denota uma aproximação entre a disponibilidade de infraestrutura e impactos geofísicos correlacionados. Por outro lado, a inserção social é outro fator relevante na análise da qualidade de vida, uma vez que o sujeito inserido socialmente possui menor vulnerabilidade às incertezas da vida moderna. Este trabalho busca caracterizar a salubridade urbana e rural da população residente na Bacia do Rio Doce com base na condição da distribuição espacial do saneamento ambiental e da inserção social indivídual, utilizando dados em nível de setores censitários, na perspectiva de uma análise multiescalar. Para tal, técnicas de sensoriamento remoto e geoprocessamento mostram-se adequadas: aspectos domiciliares geocodificados explicitam a espacialização dos serviços e infraestrutura e, a partir de procedimentos de classificação, mensura-se a distribuição espacial desses indicadores, a quantidade de corpos hídricos e zonas potenciais de risco. Por fim, uma análise estatística multivariada permitira a elaboração de um indicador sintético do grau de salubridade ambiental. Acredita-se que esses resultados possam contribuir para a elaboração e avaliação de políticas públicas capazes de beneficiar os habitantes da região, no que tange à salubridade ambiental.

Publicado
2019-05-20
Seção
Sessão Livre