SL4 Análise das condições de inserção urbana do Programa Minha Casa Minha Vida nas cidades brasileiras:

segregação e negação do direito à cidade

  • Luis Renato Bezerra Pequeno
  • Adauto Lúcio Cardoso
  • Danielle Klintowitz
  • Raquel Rolnik
  • José Júlio Ferreira Lima
  • Roberta Menezes Rodrigues
Palavras-chave: inserção urbana, minha casa minha vida

Resumo

SL-04. Análise das condições de inserção urbana do Programa Minha Casa Minha Vida nas cidades brasileiras: segregação e negação do direito à cidade

Coordenador: Luis Renato Bezerra Pequeno (UFC)

Resumo:

Passados 5 anos do lançamento do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), os números oficiais apontam para mais de 3 milhões de unidades habitacionais contratadas. Distribuído por todas as unidades da federação, o programa adotou no seu início o déficit habitacional estadual como parâmetro para definir as metas a serem cumpridas, atendendo a percentuais pré-estabelecidos segundo as diferentes faixas de renda definidas para o mesmo. Tendo como alvo principal os municípios com população superior a 50 mil habitantes, o PMCMV permitiu a disseminação de empreendimentos habitacionais em centenas de municípios, sejam eles metropolitanos ou não trazendo no curto prazo impactos no processo de crescimento destas cidades. Nesta sessão livre pretende-se apresentar os resultados obtidos através de pesquisa em rede que teve como objetivo comum realizar a análise sobre os processos de inserção urbana dos conjuntos construídos para a chamada Faixa 1, voltados a famílias de mais baixa renda.

Esta investigação científica reuniu 11 núcleos de pesquisa, cada um dos quais com recortes espaciais específicos: (1) LABCAM FAU-UFPA (RM Belém e Sudeste do Pará); (2) LEHAB DAU-UFC (RM Fortaleza); (3) LaHabitat DARQ – UFRN (RM Natal); (4) Praxis Escola de Arquitetura –UFMG (RM Belo Horizonte); (5) IPPURUFRJ (RM Rio de Janeiro); (6) CiHaBe PROURB-UFRJ (RM Rio de Janeiro); (7) Polis-SP, (8) NEMOS – CEDEPE - PUC-SP (RM São Paulo / Osasco); (9) LabCidade FAUUSP (RM São Paulo e RM Campinas); (10) IAU-USP São Carlos + PEABIRU (RM São Paulo); (11) IAU-USP São Carlos (Regiões administrativas de São Carlos e Ribeirão Preto). Para sua realização, estes núcleos contaram com recursos obtidos junto ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Ministério das Cidades através de edital público lançado em 2012.

Ao longo dos últimos dois anos foram realizados diversos workshops para discussão dos procedimentos metodológicos a serem adotados por todos os núcleos, considerando diferentes escalas de abordagem: regional, municipal, do empreendimento e seu entorno, da unidade habitacional. Para cada uma delas foram
apontados seus elementos de análise, suas respectivas fontes de comprovação e seus instrumentos de pesquisa.

A análise crítica dos arranjos institucionais em seus diferentes setores e esferas aponta para a redução do papel dos municípios e a ampliação do poder decisório do setor da construção e ao mercado imobiliário sinalizando para uma forte dissociação das políticas urbana e habitacional. Cada vez mais instaura-se o predomínio da produção da moradia como produto sobre o processo de planejamento, evidenciando-se problemas vinculados à frágil intersetorialidade que permeia a gestão na grande maioria dos municípios brasileiros.

As escolhas de terrenos para localização destes novos conjuntos trouxe a tona problemas vinculados às condições de inserção urbana, revelando a ampliação da segregação das famílias de baixa renda, assim como a negação do direito à cidade. Num esforço de síntese, foi construído um quadro de dinâmicas gerais vinculadas às más condições de inserção urbana as quais foram classificadas nos seguintes temas: - o acesso à cidade, às infraestruturas e aos serviços urbanos; - consolidação das periferias e abertura de novas frentes de expansão da cidade; - monofuncionalidade e guetificação.

Referente às dificuldades decorrentes da segregação e os consequentes impedimentos no acesso à cidade, aos serviços e às infraestruturas urbanas destacamos: - a localização periférica dos empreendimentos decorrendo no distanciamento cada vez maior das centralidades, do emprego e dos equipamentos de educação e saúde; - a implantação dos conjuntos em áreas com infraestrutura precária atendidas por pequenas estações de tratamento de esgotos as quais apresentam problemas na sua execução e manutenção; - descontinuidade viária, pavimentação em más condições no entorno, falta de passeios, dificultando a mobilidade, o acesso ao transporte e o fluxo de pedestres; - a expansão do setor terciário informal em volta dos empreendimentos MCMV como alternativa de geração de renda e sobrevivência.

A localização dos conjuntos habitacionais do PMCMV ocorre num primeiro momento em periferias consolidadas, deslocando-se cada vez mais para novas frentes de expansão da cidade. Como processos que retratam a periferização do programa podem ser apontadas: - a implantação de conjuntos em espaços residuais preenchendo vazios em bairros já consolidados decorrendo na maior fragmentação das periferias; - a presença de empreendimentos situados em áreas conurbadas com fragilidades ambientais e próximos à setores com maior vulnerabilidade social; - a localização
periférica dos empreendimentos do PMCMV próximas a glebas vazias ainda não parceladas, interferindo nas condições de mobilidade e acessibilidade; - a produção de novos conjuntos em franjas periurbanas descontínuas, fora do perímetro urbano notadamente nos municípios periféricos das regiões metropolitanas e nos centros regionais; - as alterações na legislação urbanística para conversão de zona rural em zona urbana para implantação de novos empreendimentos do PMCMV.

Ainda em decorrência das más condições de inserção urbana, a segregação residencial dos mais pobres se manifesta através de dinâmicas socioespaciais agrupadas em torno da temática da monofuncionalidade e guetificação, dentre as quais: - a localização próxima aos grandes conjuntos de interesse social oriundos de antigos programas de outras políticas habitacionais (BNH/COHABs); - a implantação dos novos conjuntos em bairros com predomínio de loteamentos populares preenchendo espaços vazios residuais em bairros populares; - a implantação de empreendimentos do PMCMV na forma condomínio contíguos junto às áreas de favelas ampliando a fragmentação social; - a ausência de espaços públicos coletivos que permitam maior integração e sociabilidade nos empreendimentos e junto às vizinhanças.

Desde a segunda fase do PMCMV, quando foi permitida a contratação de conjuntos habitacionais com até 5.000 unidades, verifica-se o agravamento do crescimento urbano desordenado em decorrência do maior porte dos empreendimentos, apesar das exigências para que os agentes envolvidos assumam responsabilidades na implantação de infraestruturas e serviços.

Frente ao recente lançamento da terceira fase do PMCMV em que novos 3 milhões de unidades serão contratados, esta sessão livre busca apresentar resultados obtidos para algumas das regiões brasileiras. Com isso, pretende-se por um lado apontar as semelhanças entre os problemas, apesar da diversidade regional e das dimensões continentais do Brasil; por outro, almeja-se identificar as especificidades dos impactos territoriais do PMCMV vinculados às condições de inserção urbana em alguns municípios brasileiros.

Representando as cidades amazônicas, serão apresentados resultados obtidos para municípios que compõem a região metropolitana de Belém e as cidades médias que organizam o sudeste paraense. Quanto ao nordeste brasileiro, os esforços se concentram sobre a região metropolitana de Fortaleza, evidenciando-se as dificuldades de disseminação do PMCMV junto aos centros regionais com população acima de 50 mil pessoas. O centro sul traz na análise das regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, São Paulo, Campinas e da Baixada Santista elementos significativos para que se possa refletir sobre a realidade deste programa naquilo que Milton Santos denominou como região concentrada.

Exposição: Minha Casa Minha Vida em Fortaleza: novas periferias e velhas formas de segregação espacial na metrópole

Expositor: Luis Renato Bezerra Pequeno (UFC)

Resumo: Neste trabalho pretende-se apresentar os resultados obtidos com estudos de inserção urbana dos conjuntos do Programa Minha Casa Minha Vida na Região Metropolitana de Fortaleza. A análise do PMCMV na RMF revela a intensidade em que ocorrem as disparidades socioespaciais, marcas características do crescimento urbano desta metrópole. Sua espacialização aponta a concentração dos empreendimentos em Fortaleza, Caucaia e Maracanaú, municípios fortemente conurbados à capital. Nas escalas regional e municipal, os empreendimentos entregues até o final de 2012 indicam a opção periférica na escolha dos terrenos e a aproximação dos conjuntos da faixa 1 junto aos antigos da fase áurea do BNHCOHAB, traduzindo a conformação de dinâmicas socioespaciais definidas pelo mercado imobiliário e pelo setor da construção civil. Na escala dos empreendimentos, verificam-se problemas de mobilidade urbana, assim como de acesso às infraestruturas e aos serviços. Diferenciados quanto à localização, ao porte, às proximidades com outros empreendimentos, os conjuntos escolhidos para análise indicam diferenças entre os eixos de expansão, considerando a densidade, o uso do solo, à morfologia urbana, dentre outros. A implantação de grandes conjuntos desde a segunda fase do PMCMV traz a tona novos problemas associados às piores condições de inserção. É notório que o grande porte destes novos empreendimentos atende às exigências do setor da construção que visa a produção em larga escala. Além disso, em função da ampla demanda a ser atendida, inclusive de famílias removidas de áreas de risco e em decorrência de obras de mobilidade, constata-se o agravamento da segregação nas franjas periféricas de Fortaleza.

Exposição: Nova política, velhos desafios: problematizações sobre a implementação do programa Minha Casa Minha Vida na região metropolitana do Rio de Janeiro

Expositor: Adauto Lúcio Cardoso (UFRJ)

Resumo: Apenas quatro anos após o seu lançamento pelo Governo Federal, o Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) já suscita um intenso debate sobre suas dimensões políticas, sociais, urbanísticas, econômicas ou construtivas. Algo certamente motivado pela dimensão do programa, mas também pela sua importância no âmbito do projeto político iniciado em 2003 com a chegada do Partido dos Trabalhadores à Presidência da República, além de sua capacidade para potencializar discussões sobre questões clássicas e temas emergentes das áreas do conhecimento a que se dedicam aos estudos urbanos. Questões amplamente discutidas pela literatura nas décadas de 1970 e 1980 – como a renda da terra, relações centro/periferia, segregação socioespacial ou a formação de guetos – são recolocadas frente aos padrões de localização e implantação dos empreendimentos já identificados em estudos preliminares realizados por todo o país. A avaliação desenvolvida para a metrópole do Rio de Janeiro mostra a periferização da produção (na qual quanto menor a faixa de renda, maior a distância em relação às áreas mais dinâmicas da cidade) e a concentração de empreendimentos para as faixas de menor renda em áreas da cidade de urbanização rarefeita ou incipiente. Processo que se agrava quando se considera que uma parcela significativa dessa produção foi destinada a reassentamentos. A análise evidencia uma persistência na hierarquização dos espaços na cidade e de diferenças significativas nas possibilidades de acesso àquilo que a cidade pode oferecer, além de problematizações em torno da mobilidade urbana, do acesso adequado a serviços públicos ou provisão de infraestrutura básica.

Exposição: A Produção do Programa Minha Casa Minha Vida na Região Metropolitana da Baixada Santista: reafirmação da configuração metropolitana e exclusão sócio-territorial

Expositora: Danielle Klintowitz (Instituo Pólis)

Resumo: A pesquisa sobre a produção do Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) na Baixada Santista (RMBS) busca analisar a inserção dos empreendimentos na região. A organização territorial da RMBS baseia-se na concentração de produção de riqueza, empregos formais e infraestrutura nos municípios centrais, enquanto os periféricos apresentam grandes percentuais de informalidade, desocupação e déficit de infraestrutura. As necessidades habitacionais são mais profundas nos municípios centrais que apresentam importantes dinâmicas imobiliárias e expulsão da população de baixa renda para áreas precárias. Atualmente
a RMBS apresenta um déficit habitacional de 70 mil domicílios, contudo, a contratação de unidades do MCMV, não foi compatível a esta carência. Até o começo de 2013, foram contratados 52 empreendimentos do MCMV, totalizando 5.581 unidades. A produção para faixa 1 se concentrou nos municípios periféricos que concentram terrenos mais baratos de grandes dimensões, nos municípios centrais se concentrou a produção para as faixas 2 e 3. Assim, a inserção da produção do MCMV reafirma a configuração espacial marcada pela segregação sócio-territorial. Observam-se dois padrões de inserção intraurbana dos conjuntos: enquanto nas cidades periféricas os empreendimentos estão implantados em áreas de expansão, com menor grau de segregação; nos municípios centrais os empreendimentos do MCMV concentram-se em periferias mais consolidadas, extremamente segregadas e configuradas como depositórios de moradia de baixa renda. Estas diferentes inserções têm impactos na vida dos beneficiários, que no primeiro caso estão mais integrados à vida urbana, enquanto que no segundo parecem ter piorado suas condições de inserção urbana em relação à moradia precária anterior.

Exposição: Inserção urbana do PMCMV nas metrópoles de São Paulo e Campinas: despossessão e abertura de fronteiras

Expositora: Raquel Rolnik (USP)

Resumo: A atual política habitacional do Governo Federal de subsídio à produção de moradias em larga escala tem promovido grandes transformações nas cidades brasileiras. Desde 2009 o Programa Minha Casa Minha Vida tem operado significativas reformulações territoriais com seus grandes e numerosos empreendimentos. Entretanto a relação destes com o tecido urbano existente tem reafirmado um modelo de urbanização excludente e de baixas condições de urbanidade. Análises territoriais regionais preliminares do programa na Grande São Paulo e na Região Metropolitana de Campinas demonstram que, além de fortalecer um padrão de segregação pré existente nas duas metrópoles, o programa tem atuado como instrumento para promover o deslocamento de populações melhor inseridas nas cidades – que ali vivam em assentamentos informais – abrindo espaço para o avanço da incorporação imobiliária de rendas mais altas nestes locais. Neste sentido, a política habitacional atua em duas chaves: de um lado promovendo e completando processos de despossessão – mesmo em situações em que direitos à permanência já estavam constituídos – e de outro ampliando o mercado de moradia e de crédito no pais, com grandes impactos no aumento do preço dos imóveis.

Exposição: Produção de fronteiras de expansão urbana: análise da inserção dos empreendimentos do PMCMV na Região Metropolitana de Belém e em municípios do Sudeste do Pará

Expositores: José Júlio Ferreira Lima (UFPA), Roberta Menezes Rodrigues (UFPA)

Resumo: A pesquisa a ser apresentada teve como foco os municípios da Região Metropolitana de Belém, formada por sete municípios, e dois municípios importantes para a dinâmica econômica e populacional da região sudeste do estado, que são os municípios de Marabá e de Parauapebas. Embora em cada uma das regiões estudadas o tema da inserção urbana ganhe contornos específicos, o elemento comum que caracteriza o debate se refere às consequências urbanísticas e sociais da implantação de habitações populares de forma massiva, que tem sido localizada predominantemente em áreas menos valorizadas das cidades, marcadas por alguma forma de precariedade em termos urbanísticos, por pouca ou nenhuma diversidade funcional e pela extrema homogeneidade social de seus moradores. Observou-se que, dentre outras situações, a implantação de grandes conjuntos habitacionais nas franjas das cidades força o espraiamento da malha urbana já consolidada, demandando gastos onerosos com a transferência de infraestrutura básica à nova área de expansão. A evidente predileção pela tipologia de casas térreas demonstra o foco ao atendimento dos padrões quantitativos do programa, que, embora reduza o déficit por habitação, não se mostra eficiente em melhorar o quadro de precariedade da habitabilidade. Assim, ao tratarmos da inserção urbana dos conjuntos habitacionais produzidos pelo PMCMV, tanto do ponto de vista dos padrões de segregação socioespacial vigentes em municípios selecionados, quanto do ponto de vista de seus impactos nas vidas das famílias moradoras, procuramos estabelecer um diálogo com um dos temas centrais de debate das políticas habitacionais contemporâneas.

Publicado
2019-05-19
Seção
Sessão Livre